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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Repertórios culturais em questão



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Dois acontecimentos nessa semana chamaram a minha atenção em relação aos tantos fragmentos da história, da arte e da cultura em nossa vida cotidiana. O primeiro aconteceu no contexto de uma atividade de uma pesquisa participante que desenvolvo em uma escola pública que faz parte do projeto piloto do Programa Um Computador por Aluno,PROUCA. Em conversa com crianças de uma turma dos anos iniciais, perguntei a elas se conheciam O Menino Maluquinho, livro de Ziraldo, e suas versões e adaptações para cinema, televisão e quadrinhos.
O resultado de tal levantamento foi em torno de 10% para cada modalidade, e geralmente os mesmos que leram o livro, leram também o HQ e assistiram ao filme ou a série na TV. A obra deZiraldo é reconhecida nacionalmente, não apenas por ele ter sido desenhista, cartunista e um dos criadores do Pasquim, mas sobretudo por suas produções culturais para crianças maluquinhas ou não.
Por ter sido escrito nos anos 80, muita crianças ainda não conhecem o livro, apesar de ser considerado um clássico da literatura infanto-juvenil no país, e de já ter ultrapassado a 100ª edição, o que não é pouca coisa. Além disso, o Maluquinho faz parte de uma lista de personagens da literatura que entram na nossa vida e fazem parte da nossa história, seja como crianças que fomos, seja como pais e mães que lemos e contamos histórias aos nossos filhos, seja como professores e educadores que desenvolvemos tantas atividades ligadas ao mundo da literatura, da cultura, da arte e da infância.
Então me surpreende o fato de tantas crianças hoje ainda não conhecerem as belas histórias e as divertidas aventuras de um menino que representa a imagem da criança feliz e de uma condição de infância vivida com intensidade, beleza e enfrentamento aos dilemas e conflitos que fazem parte da vida de qualquer um. Ou seja, desnecessário dizer que é uma daquelas obras que merecem ser conhecidas e que devem continuar a fazer parte dos repertórios lúdicos e culturais das crianças, na escola ou fora dela. E isso interpela a todos envolvidos de uma forma ou de outra com a educação de crianças.

O outro acontecimento foi um show musical “Redescobrir
”, em que pela primeira vez Maria Rita canta interpretando os sucessos consagrados por Elisa Regina, sua mãe.
Chamou minha atenção que ao comentar o referido show com jovens estudantes e universitários, grande parte deles não conhecia Elis Regina e muito menos suas músicas. Mas até aí tudo bem, faz parte das diferenças entre as gerações, da diversidade dos interesses e também da construção do gosto musical. No entanto, além dessas canções continuarem na mídia, elas fizeram parte da história recente de diversos acontecimentos no país e embalaram muitas de nossas aventuras políticas, culturais e também amorosas.
A questão que me inquietou é: em que medida estamos compartilhando as experiências de nossa juventude e os nossos gostos e repertórios musicais com os jovens hoje? Ao trazer esses dois acontecimentos ou episódios banais, uma das questões que se coloca é sobre como as diferentes gerações estão dialogando sobre suas vivências e experiências no campo da arte e da cultura.
Como estamos discutindo a questão do gosto com nossas crianças, jovens e com nossos estudantes? Afinal, em contextos formativos gosto se discute sim. Se estamos acostumados a criticar a indústria cultural e colocar em xeque a qualidade de suas produções do ponto de vista ético e estético, com o discurso de que crianças e jovens são reféns do que a mídia traz, cabe a pergunta: que outras opções estamos propiciando?
Diante da diversidade e pluralidade de opções que temos hoje, parece que nunca foi tão fácil ter tanto acesso às produções culturais e a suas ofertas antigas e atuais. No entanto, ao mesmo tempo, parece que os consumos culturais de crianças e jovens se limitam a alguns poucos repertórios, seja na escola ou no tempo livre. E aí vem outra pergunta: como o adulto, pai, mãe ou professor vai propiciar outras formas de práticas e consumos culturais se ele também não as tem? Se ele pouco lê, raramente vai ao cinema, ao teatro e a shows musicais, como vai compartilhar ou passar essa magia às crianças e aos jovens? Voltaremos a discutir sobre isso em outra ocasião.
Por enquanto é importante deixar claro que essa questão é bem mais complexa, evidentemente, pois envolve não apenas a questão da formação mas também a dimensão de acesso aos bens culturais e outras dificuldades, econômicas, por exemplo. Mas esse argumento não é suficiente para justificar nossa omissão, para não compartilhar e discutir os repertórios culturais que fizeram e fazem parte de nossa história, sejam eles antigos ou atuais, e para afirmar a importância do diálogo entre as gerações e o direito de conhecer. Afinal, não se ama aquilo que não se conhece!

Monica Fantin é Doutora em Educação, Professora do Curso de Pedagogia da UFSC e do Programa de Pós-Graduação em Educação, Linha de Pesquisa Educação e Comunicação, PPGE/UFSC. Confira seu blog aqui. (Artigo publicado no Blg Educação & Mídia - Gazeta do Povo (http://www.gazetadopovo.com.br/blog/educacao-midia/?id=1302198&tit=repertorios-culturais-em-questao)

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