Por Ricardo Teixeira em 11/09/2012 na edição 711 (Observatório de Imprensa)
Divulgadores em saúde não devem ser vistos como profissionais que simplesmente escrevem comunicados relacionados à saúde para a mídia, mas são integrantes fundamentais do sistema de saúde. É grande a responsabilidade dos meios de comunicação de massa devido ao seu grande potencial em influenciar comportamentos, mesmo quando a informação é em formato de entretenimento. A influência da mídia não se restringe à população leiga como fonte primária de informação em saúde, mas influencia também os próprios profissionais de saúde e os cientistas.
A comunicação em saúde no mundo contemporâneo enfrenta uma série de gargalos para o seu pleno desenvolvimento, entre eles:
>> O próprio ritmo de produção do atual jornalismo, que faz com que na maioria das vezes a equipe só receba o press release da instituição ou do periódico em que a pesquisa está sendo publicada e já o publica sem qualquer mudança ou questionamento. Não há tempo para se trabalhar a matéria ou ir atrás de uma outra opinião;
>> Cada vez menos veículos de comunicação têm editorias de saúde e ciência e tecnologia. Existem ainda poucos jornalistas científicos especializados, e a classe reconhece que é pouco treinada para divulgar dados científicos sem risco de perder a credibilidade da informação. Ao mesmo tempo, estudos mostram um crescente domínio de matérias oriundas de relações públicas nas agências de notícias, chegando a dominar mais de 2/3 do total de notícias. Cresce também o conflito de interesse por parte de jornalistas e dos meios de comunicação em massa que às vezes exercem o papel de relações públicas de alguns “clientes” e não o de jornalismo, função esta que tem recebido o nome de relações públicas maquiadas de jornalismo ou “parajornalismo”;
As doenças “negligenciadas”
>> É frequente a divulgação de uma pesquisa sem a contextualização do que ela acrescenta ou discorda do conjunto de evidências anteriores. Essa contextualização pode ser evitada pelo jornalista para que a notícia não perca sua força de pesquisa inédita. Além disso, é pouco frequente a exposição de controvérsias nos temas abordados, que é um dos pilares da dinâmica do processo científico;
>> A participação do jornalismo científico tem sido crescente nos meios de comunicação de massa, mas ainda ocupa pouco espaço quando comparado aos tradicionais assuntos de política e economia. Dentre os diversos campos da ciência, o jornalismo em saúde é o mais presente na mídia e o que mais cresce nas últimas duas décadas. E esse crescimento é tão exponencial que tem sido chamado de “medicalização do jornalismo científico”.
Mesmo que o jornalismo em saúde esteja recebendo maior atenção da mídia em relação aos outros campos da ciência, nem sempre a prioridade de divulgação coincide com aquilo que é potencialmente mais relevante para a sociedade. A divulgação de notícias com teor sensacionalista é frequentemente priorizada pelos meios de comunicação de massa, já que têm mais apelo comercial. Não é incomum observarmos que no mesmo dia em que temos a publicação de um estudo científico de alta relevância para a saúde pública, como, por exemplo, um grande estudo populacional definindo o risco do consumo de café por mulheres grávidas, abrimos os mais importantes jornais e sites de notícia na internet e podemos ler o caso de um adolescente sueco que jogou videogame por 24h e apresentou uma suposta crise epiléptica. Além disso, existem alguns temas que não são tão bem vindos pela mídia quanto outros. Uma nova pesquisa sobre o efeito do vinho tinto sobre a longevidade é uma notícia com muito mais apelo do que as relacionadas a doenças infecciosas que afetam prioritariamente as populações com baixo nível socioeconômico, também chamadas de doenças “negligenciadas”.
Artigos sobre pesquisas científicas
No Brasil, recentemente liderei uma pesquisa junto ao Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp do qual sou pesquisador associado. A pesquisa avaliou a qualidade das notícias em ciência na área de saúde dos dois maiores jornais brasileiros – Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo. O material fará parte da dissertação de mestrado de um orientando meu pelo mestrado stricto sensu em Divulgação Científica e Cultural da Unicamp do qual sou professor. A pesquisa foi publicada em março de 2012 na prestigiada Clinics, revista da Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo (ver aqui).
Avaliamos retrospectivamente notícias relacionadas à saúde publicadas nas versões eletrônicas de ambos os jornais por um período de três meses. Foram incluídos apenas os artigos que mencionaram pesquisas e estes foram categorizados de acordo com o assunto, fonte, local do estudo e natureza do título do artigo. Foram analisadas também a presença de conhecimento prévio sobre o assunto, citação do periódico científico, contextualização nacional e referência a produtos/empresas.
Os resultados mostraram que artigos sobre pesquisas científicas corresponderam a 56,7% e 20,4% de todos os artigos relacionados à saúde publicados pela FSP e OESP, respectivamente. A FSP publicou mais artigos sobre estudos nacionais (FSP, 56,4%; OESP, 7,9%) e teve a maioria dos artigos (98,2%) escritos pelo staff do jornal. A FSP também contextualizou melhor seus artigos à realidade brasileira.
Criação de estratégias
A maioria dos artigos do OESP (93,1%) era originada de agências de notícias. O OESP apresentou uma maior tendência em citar o nome do periódico onde o estudo foi publicado, tinham títulos mais otimistas, mas houve pouca contextualização nacional do tema em seus artigos, mesmo entre aqueles originados de agências de notícias nacionais.
Cerca de um terço dos artigos em cada um dos jornais foi dedicado ao tema “estilo de vida e comportamento”, desconstruindo uma velha crença de que o jornalismo em saúde é voltado de forma predominante às doenças. Os temas “câncer” e “doenças cardiovasculares” foram mais abordados pelaFSP, enquanto o tema “genética e pesquisa experimental” foi mais explorado pelo OESP. Artigos que mencionam produtos e equipamentos de forma positiva foram mais presentes no OESP, mas essa diferença não foi significativa.
A importância da mídia para a saúde da população não deve ser subestimada, já que ela é uma das principais fontes de informação sobre saúde. O conteúdo divulgado influencia comportamentos, efeito que é ainda mais relevante numa sociedade que cada vez mais lida com a saúde como se fosse um produto de consumo. O objetivo da presente pesquisa não é o de desmerecer ou exaltar qualquer um dos jornais, mas sim, de contribuir para a criação de estratégias para a uma melhor comunicação em saúde e consequente promoção da saúde no país.
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[Ricardo Teixeira é médico neurologista, autor do livro Prezado doc! A improvável conversa entre um médico e um humorista, colunista da rádio CBN Brasília e do blog Saúde para Todos do jornal Correio Braziliense]
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