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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Cuido, logo existo


No passado


— Ah! Como eu queria voltar ao passado!
Quantas saudades, tudo era belo e a vida tinha mais sentido, me 
lembro que morávamos numa colônia. Tinha 28 casas, de pau a 
pique, cobertas com telhas comuns. Eu era uma criança com sete 
anos mais ou menos, a vida dos habitantes da colônia me deixava 
irritado, apesar da pouca idade. Ainda estava escuro quando o primeiro sinal era dado pelo fazendeiro, senhor João. Era um sinal que não me agradava nem um pouco, era um enorme sino ao lado da capelinha branca. À primeira batida todos tinham que se levantar e se reunir em suas casas, fazendo a oração matinal. 


Me lembro que na escola, a dona Maria Aparecida, 
minha professora, falava que a oração era o começo de um lindo dia, e com mesma os anjinhos traziam uma taça com as seguintes bênçãos: o amor, a paz, harmonia, felicidade, compreensão, alegria e paz de espírito. Mas eu pensava comigo mesmo: o anjo poderia trazer uma taça cheia de dinheiro, eu iria dividir com meus amiguinhos da colônia. E um belo dia eu achei uma caneca cheia de moedas, na casa de senhor Joaquim, mas eu não peguei, aprendi que quando se acha alguma coisa alguém perdeu ou esqueceu, nada cai do céu, assim me ensinou minha mãe adotiva. Aquele dinheiro que achei mas não peguei era para comprar os remédios, que o senhor Manoel encomendava com o oveiro, seu Antônio Bento, remédios que serviam para vários tipos de doenças. 


O senhor Antônio Bento morava numa cidadezinha por nome “Baixa da Égua”, distante a 12 quilômetros da fazenda Flor da Mata, e todas as quintas-feiras ele vinha com o seu DKV fumacento e depois pegava a pandora, a colocava na charrete e de casa em casa ia trocando as iguarias na cidade. Na fazenda ele trocava tecidos, lenços, combinações, arquinhos enfeitados, perfumes, chapéus e o mais gostoso de tudo, “os doces”, a parte que eu mais gostava. Tinha maria-mole, pé de moleque, rapadura, suspiros, doces de abóbora e de leite. os doces eram trocados por ovos de galinha e de patas. 


A parte ruim eram os remédios, os mais famosos da época: óleo de rícino, sulfato ferroso, ancilostomina, óleo de fígado de bacalhau, biotônico Fontoura etc. eram remédios para toda a molecada da fazenda. Era assim que cuidavam da vida e da saúde, tinha a queridinha de todas as crianças até nos dias de hoje, a tradicional “injeção”. Esta combatia o tétano, malária, tuberculose, varíola e gripes. Da molecada, os maiorzinhos corriam e se escondiam, enquanto os menores entravam na agulha. Era um berreiro que dava dó, mas tudo era para a saúde e preservação da vida.


Outra coisa que eu aos poucos fui entendendo é que bastava chover uma semana que vinha o fazendeiro, no seu velho trator barulhento, pegando os colonos, que com pás, enxadas e enxadões começavam abrindo uma valeta grande no meio do cafezal, eu que só ia mais para comer do que trabalhar ficava pensando: Será que é para enterrar gente? Não, não podia, mas o melhor era esperar para ver o que ia dentro da valeta. Com as valetas abertas, o fazendeiro 
ia na cidade e trazia o Chevrolet cheio de palha de café, era aí que minha curiosidade vinha à tona. Adultos e crianças, mas só os machos, todos pegávamos as palhas de café e jogávamos dentro das valetas, misturando com o mato que ao capinar iam amontoando no carreador, era aquela bagunça, nós fazíamos uma farra danada. 


Depois de encher as valetas, nós colocávamos a terra de volta e ficavam ali enterradas as palhas e o mato, após meses abríamos as valetas novamente, pegávamos toda aquela bagaceira e esparramávamos no meio do cafezal novo, era um tipo de adubo natural. Aí 
aprendi que aquilo era bom para o meio ambiente, fauna, flora, animais, era o homem de mãos dadas com a “mãe natureza”,tirando e devolvendo o sustento de todos os seres viventes.


Ah! No passado se queimava menos mato, ai de quem fosse pego colocando fogo: o fazendeiro além de chamar o colono de preguiçoso e vagabundo mandava que ele fosse embora de sua fazenda. No passado a vida e a saúde dos moradores da colônia era mais saudável, tinha menos doenças, as mais conhecidas eram: a senhora gripe, a comadre varicela, compadre sarampo, tia lombriga e a doutora solitária. Eu tinha uma fauna na barriga, todo tipo de porcaria eu comia, terra, tijolo, caco de telha, carvão e a famosa caca de nariz. Eu tinha até um apelido, “lombriga”, isso no passado, mas tudo que é bom vai acabando, da colônia só restaram as ruínas, dos colonos as saudades, o hoje é nosso, e o amanhã só a Deus pertence, do passado só recordações, menos queimadas, mais amor ao próximo, menos ganância pelo vil metal, neste caso o dinheiro, o respeito pela mãe natureza, preservação da fauna e da flora e dos animais. Era menos poluição e todos contribuíam para 
o meio ambiente. Mas tudo ficou no passado; por isso o título “No passado”.


Paulo de Pontes, 55 anos
Andradina, SP
3º lugar - Categoria 4


Textos do livro "Cuido, logo existo", a mais nova publicação do Instituto Ecofuturo, parceiro do Programa Jornal e Educação - ANJ, que está sendo distribuída por todo o Brasil entre bibliotecas públicas. Ele reúne as 60 redações vencedoras da 7ª edição do Concurso Cultural Ler e Escrever é Preciso, que teve quase cinco mil participantes de todo o Brasil.


Ao todos foram publicados 35 mil exemplares que, além das bibliotecas públicas estarão nas casas dos participantes do concurso e parceiros. Se você não tem o livro em mãos, não se preocupe, ele está disponível para download no endereço http://www.ecofuturo.org.br/uploads/conteudos/textos_de_apoio/CuidoPDF.pdf  Além disso, o Programa Jornal e Educação vai divulgar periodicamente os textos, para encantar os seus leitores e lembrar que a vida merece cuidados, todos os dias, nos pequenos gestos, nas mais simples atitudes!

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