Seis dias por ano dos gastos militares das nações ricas garantiriam todas as crianças do mundo na escola. É o que se deduz no novo relatório da Unesco.
Relatório divulgado no início da semana pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) mostra que tem havido avanços na universalização do acesso ao ensino fundamental no mundo todo, mas eles são lentos. E que, se houver vontade política, em pouco tempo todas as crianças do mundo podem ir à escola.
Em abril de 2000, os governos de 160 países que integram o sistema da Organizações das Nações Unidas (ONU) reuniram-se em Dacar, capital do Senegal, no Fórum Mundial de Educação, organizado pela Unesco, e criaram a iniciativa Educação para Todos, que estabeleceu seis metas a serem atingidas até 2015 e o monitoramento delas, com a publicação de relatórios periódicos. As seis metas do programa, assumidas como compromisso de Estado pelos 160 países participantes do fórum (inclusive o Brasil), são as seguintes:
• ampliar a educação para a primeira infância;
• universalizar o acesso à educação básica;
• garantir o atendimento de jovens em programas de aprendizagem;
• reduzir em 50% a taxa de analfabetismo;
• eliminar as disparidades de genêro no acesso ao ensino; e
• melhorar a qualidade da educação.
O monitoramento é feito a cada ano. No último dia 4 de julho, foi lançado um estudo específico sobre a situação educacional das crianças em países em conflito. O trabalho se chama A Crise Oculta: Conflitos Armados e Educação e traz números bastante dramáticos sobre infância e escolarização, principalmente nos países envolvidos em guerras. Este recorte específico foi feito para alertar e inspirar os governos e a sociedade civil no resgate dos valores sobre os quais a Unesco (e a própria ONU) foi criada: libertar o mundo do flagelo da guerra, por meio da educação, da cultura e da difusão do conhecimento científico, tendo como diretriz a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Como o próprio relatório concluiu, infelizmente o mundo ainda está bem longe desse ideal preconizado pelos arquitetos do sistema multilateral. Mas não é uma distância tão grande que impeça a vontade política de superar os conflitos e atingir as metas do programa. Hoje, mais do que em qualquer outra época, a humanidade tem conhecimento e recursos para resolver os graves problemas que sempre a afligiram. Por que não o fazemos?
Os resultados do relatório
A Crise Oculta destaca que o mundo não está no caminho certo para atingir as metas do programa Educação para Todos em 2015. Enfatiza que houve avanços importantes, como a paridade de gênero nas matrículas da educação primária, a redução pela metade do número de crianças fora da escola, principalmente na Ásia e na África subsaariana, e o avanço da educação pré-escolar na América Latina, onde 62% das crianças até 5 anos estão na escola.
Todavia, ainda há 67 milhões de crianças fora da escola. Metade delas se concentram em 15 países, entre os quais o Brasil (a Unesco contabiliza 700 mil crianças brasileiras ainda fora da escola). Se os entraves à educação universal não forem superados, o mundo não conseguirá dar um futuro bom para as crianças de hoje.
Entre os obstáculos a superar, a Unesco destaca:
• a fome. Nos países em desenvolvimento, 195 milhões de crianças de até 5 anos de idade (uma em cada três) sofrem desnutrição que causa danos irreparáveis ao seu desenvolvimento cognitivo e ao seu processo educacional, no longo prazo;
• o abandono da escola antes de completar o ensino fundamental;
• as disparidades de gênero, que continuam a dificultar o progresso da educação. Se o mundo tivesse alcançado a paridade de gênero no nível primário em 2008, teria havido um adicional de 3,6 milhões de meninas na escola primária;
• a desvantagem de gênero, que custa vidas. Se a taxa média de mortalidade infantil da África subsaariana caísse para o nível associado às mulheres que têm alguma educação secundária, haveria 1,8 milhão de mortes a menos;
• a qualidade da educação, muito baixa em vários países. Milhões de crianças saem da escola primária com níveis de leitura, escrita e competências matemáticas muito abaixo do esperado;• a falta de professores. Serão necessários mais de 1,9 milhão de professores até 2015 para que a educação primária universal seja atingida;
• o analfabetismo de adultos. Há 796 milhões de adultos analfabetos no mundo, a maioria deles vivendo em dez países, entre os quais o Brasil. Para a Unesco, nosso país ainda possui 14 milhões de analfabetos.
Essas lacunas exigem investimento dos próprios países e, no caso das nações mais pobres, de ajuda internacional. A Unesco calculou o quanto a sociedade global precisa investir por ano para garantir as metas do programa Educação para Todos até 2015: US$ 16 bilhões por ano. É muito? Certamente não. Essa quantia corresponde a seis dias por ano de gastos militares dos países ricos.
O Brasil e os desafios da educação
Em relação ao cumprimento das metas, o relatório de 2011 do Educação para Todos coloca o Brasil em 88º. lugar entre os 160 signatários do programa. Japão, Reino Unido e Noruega lideram o ranking. Na América Latina, Argentina, Chile e Uruguai são os países mais bem classificados, acima do Brasil.
Estamos vivendo um novo ciclo de crescimento econômico, mas nossos indicadores sociais avançam pouco, em que pesem os progressos (modestos) registrados em alguns setores, como redução da pobreza e da desigualdade.
Na educação, avançamos lentamente. Pior do que isso, estamos muito aquém das necessidades impostas pelo recente ciclo de prosperidade. Falta mão de obra capacitada, tanto que a estamos buscando até mesmo em países vizinhos.
A falta de uma educação pública de qualidade para todos pode comprometer também o desenvolvimento dos negócios. Por isso, em 2006, algumas das maiores empresas brasileiras organizaram e financiam o movimento Todos pela Educação, que congrega, além da iniciativa privada, organizações da sociedade civil, educadores e gestores públicos e tem como objetivo contribuir para que o Brasil garanta a todas as crianças e jovens o direito à educação básica de qualidade.
Esse grande objetivo foi traduzido em 5 metas, com prazo de cumprimento até 2022, ano do bicentenário da independência do Brasil. As metas são as seguintes:
Meta 1: Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola;
Meta 2: Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos;
Meta 3: Todo aluno com aprendizado adequado à sua série;
Meta 4: Todo jovem com o ensino médio concluído até os 19 anos;
Meta 5: Investimento em educação ampliado e bem gerido.
A idéia não é substituir o Estado, mas apoiá-lo em ações de valorização e capacitação dos professores, melhoria nos processos de gestão escolar e organização de eventos que tornem a escola e a aprendizagem o foco das atenções da sociedade.
Para monitorar essas metas, o movimento reúne, no site, uma área de acompanhamento, na qual podem ser acessados os dados das pesquisas oficiais (IBGE, Ipea etc.). O conhecimento dos dados permite que os integrantes do movimento elaborem planos para melhorar o desempenho e mobilizem a sociedade para cobrar dos poderes públicos as medidas necessárias.
Para saber como o Brasil anda em relação às cinco metas da educação, basta acessar o site www.todospelaeducacao.org.br e, na barra de menu, clicar em “Educação no Brasil”. Ao acessar a página, é possível verificar, por exemplo, que a Meta 3 – “Todo aluno com aprendizado adequado à sua série” – é a que impõe mais desafios para a sociedade brasileira.
Em 2022, espera-se que pelo menos 70% dos alunos do ensino fundamental e médio das escolas públicas e privadas tenham desempenhos em português e matemática superiores ao mínimo estabelecido pela escala do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que mede as competências do aluno para cada matéria específica.
Hoje, nenhuma das séries avaliadas (o 5º. e o 9º. anos do ensino fundamental e o 3º. ano do ensino médio) possui 35% dos alunos com aprendizado adequado, seja em língua portuguesa, seja em matemática. Temos 11 anos para chegar aos 70%.
O que fazer?
O movimento Todos pela Educação tem atuado diretamente nos municípios, por meio da mobilização do empresariado local, das escolas públicas, das entidades e dos órgãos públicos de educação, buscando integrar mais as famílias com as escolas, melhorar a gestão dos recursos, capacitar os professores e monitorar o uso dos recursos públicos pelas escolas. Mais importante do que as ações desse movimento é o papel que ele está desempenhando na conscientização da sociedade sobre a importância do investimento público na educação. O cidadão e a cidadã precisam entrar “na briga” por uma educação pública de alta qualidade para garantir um futuro mais tranqüilo para seus filhos.
Por Jorge Abrahão e Cristina Spera (Instituto Ethos)
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