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quarta-feira, 6 de julho de 2011

Acumular informações ou fazer a síntese dos conhecimentos?

Compartilhamos entrevista com a educadora Madalena Freire sobre avaliação, publicada no Cmais Educação!

Muitas escolas e educadores em algum momento enfrentam o dilema: o que e como deve ser uma avaliação? Para contribuir com o debate sobre esse tema, o Cmais Educação conversou com a educadora Madalena Freire.

A pedagoga é uma das fundadoras da Escola da Vila, do centro de formação Espaço Pedagógico e autora de diversas publicações sobre educação, dentre as quais estão os estudos "Sala de Aula - Que Espaço é Esse?" (Papirus, 1986) e "A Paixão de Conhecer o Mundo" (Paz e Terra, 1982). Madalena Freire acredita que a avaliação não só é parte fundamental do processo de aprendizagem, como também é um instrumento que deve servir à tomada de consciência e ao empoderamento dos educandos.

A seguir, confira a entrevista.

Cmais Educação - O que é avaliação? Quais os tipos de avaliação? E qual você entende ser o melhor modo de lidar com a avaliação escolar?

Madalena Freire - O educador, qualquer que seja a função que exerça, sempre tem o dever de trazer o conhecimento. Portanto esse educador ensina o tempo inteiro e o faz seja qual for o espaço: no recreio, no almoço, na sala de aula. Se a gente concebe esse educador dentro desse parâmetro, para ensinar ele sempre deve contar com o planejamento, o desenvolvimento das atividades e propostas planejadas, para que o conhecimento seja operacionalizado, e com a avaliação. Ele não pode viver sem a avaliação, como também não pode viver sem o planejamento. Nada disso está desconectado. Ele avalia porque planejou antes, e essa avaliação no final remete-se mais uma vez ao que foi planejado. Portanto a avaliação é peça fundamental do ensinar e é inerente às propostas de atividades na para a transmissão de um conteúdo.

O grande dilema é: se não existe educador sem avaliação e sem planejamento então em que momentos e que tipos de avaliação ele deve fazer? Na minha concepção, que busca uma interação com o conhecimento – mas tendo o educando como sujeito desse conhecimento, em que ele não é uma mero reprodutor – essa avaliação é cotidiana, porque o ensinar é cotidiano, é processual, acontece aula a aula. Numa concepção que tem o aluno como autor da sua aprendizagem, ele tem que tomar consciência do que está aprendendo o tempo inteiro. A ferramenta para essa tomada de consciência é a avaliação, que está a favor dele, não contra, como se vive numa concepção autoritária, em que a avaliação é para penalizar o aluno que não aprendeu. Uma avaliação que entende o sujeito como autor do conhecimento trabalha para que ele volte e retome os passos que por ventura não tenha feito durante o processo de aprendizagem.

Todo o fim de aula tem de ter uma avaliação em relação aos conteúdos da aula, que meça qual foi o entendimento desse conteúdo. Os alunos têm de exercitar essa avaliação juntamente com o professor que também faz sua avaliação. E que faça por escrito e que socialize com o grupo todo. Outra coisa que a avaliação deve suscitar ao aluno é a ponderação de como foi o seu posicionamento diante do novo, diante desse desafio de aprender: "Eu resisti? Eu me fechei? Eu busquei? Enfrentei? Ousei? Concentrei-me?" Ou seja, fazer pensar qual foi o seu posicionamento em relação ao processo de aprendizagem. Isso porque ninguém aprende por ninguém. É função do educador forçar essa abertura para o aprendizado.

Mas isso não basta. A avaliação, para ser processual e para ser gestada nesse cotidiano, tem de ter uma sistematização quinzenal ou mensal ou bimestral, ou em todos esses tempos, pois o professor lida sempre com a síntese.

C+ - A avaliação então deve cobrar a síntese e não o acúmulo...

MF - Sim. A síntese do entendimento. Ter o entendimento de que está aprendendo porque está decorando, porque tem um acúmulo de informação é equivocado. Isso não é aprendizagem. É o que diz Edgar Morin quando questiona: "de que vale uma cabeça bem cheia?" O que vale é uma cabeça que pensa, que consegue determinar o que vai buscar e continuará buscando em seu processo de aprendizagem. O que é verdadeiramente transformador é saber o que muda em mim a partir do conhecimento de determinada informação. Como me transformo a partir desse conhecimento apreendido?

A avaliação deve estar sempre diagnosticando o que falta. Faz também o educador pensar, pois ele está trabalhando a favor do aluno, não a seu favor.

Cmais - Essa "concepção autoritária" de avaliação

da qual você fala é muitas vezes a que encontramos na escola tradicional atualmente, não?


MF - Em muitas realidades isso já começa a mudar visivelmente. A discussão entre os educadores sobre avaliação está em pauta. Isso está mudando, mas não é "pra segunda-feira" [risos]. É uma visão que começa a ser gestada e germinada, mas que se efetivará apenas no decorrer da vida escolar. Os educadores precisam de lucidez e entender que ninguém faz milagre, que não é porque você leu num livro e vai adotar [aquilo que leu] na sala de aula que a mudança vai acontecer. A mudança é uma opção também individual. Não é decretada. Tem de ser discutida, tem que ser pensada pelo corpo dos educadores, pelo grupo. Quando essa mudança não é exercitada no dia a dia torna-se algo oco.

C+ - É possível pensar uma avaliação que seja desenvolvida e aplicada não só pelo corpo docente, mas também pelos estudantes?

MF - Sem dúvida. O corpo da escola tem vários atores. Ele tem o professor, o diretor, o coordenador, os alunos, os auxiliares, o corpo administrativo e as famílias. Todos esses atores necessitam praticar e viver o processo avaliativo. Do ponto de vista do professor, ele tem de avaliar-se cotidianamente sobre como foi a comunicação dos conteúdos, tentando perceber o que entrou em sintonia com os alunos. Porque só aprendemos o que tem significado pra gente. Se uma informação nova chega e ela não nos toca, porque não estabelece nenhuma relação com o que fazemos, ela não tem sentido, não acontece nada.

Outro foco é: como o grupo trabalhou com o professor neste ensinar? Os alunos participaram, ou não? Trabalharam em grupo? O professor deixou alguém se destacar mais que os outros? Como reagiu a tudo isso? São aspectos que fazem parte da autoavaliação do professor.

Mas alunos também têm seus pontos de avaliação em relação ao professor: ele ofereceu espaço e liberdade para eu me posicionar? Ele sabe meu nome? São às vezes coisas banais. Numa escola autoritária, tradicional, a pessoa de cada um se dilui na massa. Os alunos são agrupados segundo estereótipos, são fracos, médios ou fortes. Eles têm números! São identificados por um número de chamada. Nessa concepção, esse sujeito autor não está no foco. Ele é coisa, ele é número.

Numa visão democrática, toda a aula é avaliada pelos alunos e pelo professor, toda a rede que constitui a escola está aberta para o diálogo. No fundo o grande dilema de uma educação democrática é a construção desse espaço de diálogo.

C+ - Dentro desse entendimento democrático de avaliação, existem métodos menos ou mais apropriados para avaliar?

MF - Aí temos que fazer uma diferenciação que é a seguinte: toda a concepção de educação lida com uma pedagogia, que é a ciência do como fazer. Toda a pedagogia tem que ter um método de trabalho, entendido como uma sistematização de encaminhamentos, propostas, modos de ensinar. O método é a maneira como eu organizo o ensinar. Não é somente uma questão de optar porMontessori ou Freinet. Esses pensadores têm seu método, mas qualquer um de nós tem método. É por aí que quebramos a prática de reprodução. Método, aqui, não é apenas a cristalização da prática de um outro que visto como máscara e reproduzo, mas sim a sistematização de espaços de ensino.

Todo o método lida com instrumentos. Numa concepção democrática, que entende todo o sujeito como autor da própria consciência e da história, preza-se pela metodologia do pensar. Para ser dono da própria consciência, para transformar a realidade esse sujeito precisa parar para pensar. É preciso fazer o registro reflexivo. Parar para pensar é a coisa mais difícil de fazer atualmente, pois vivemos uma invasão absoluta de informação, um mundo repleto de perda de sentido, alienação, falta de privacidade e ao mesmo tempo de intimidade nas relações.

Essa metodologia do pensar é marca humana. Gente não é bicho, gente pensa. Bicho grunhe e reproduz pegadas. Gente tem a consciência. E porque pensa, já está em outro patamar. A reflexão obriga a lapidar o pensar e essa lapidação se dá via registro, mais especificamente, via escrita. Um instrumento importante dessa metodologia, focando na avaliação, é o registro reflexivo. Essa modalidade nos obriga a pensar sobre os conteúdos transmitidos durante a aula, sobre a interação com os alunos, a reação do grupo, medir se demos conta de toda a informação prevista.

Já na perspectiva do aluno esse registro deve fazer com que ele reflita se entendeu os conteúdos, se não entendeu tal coisa porque faltou estudar isso ou aquilo etc. Tanto professor quanto aluno têm de sistematizar tempos durante os quais a reflexão é lapidada. Outro instrumento valioso é a observação. Aprender a observar é aprender a desvelar sentidos e significados.

C+ - Parte importante desse instrumental então é resguardar o espaço do registro escrito?

MF - Sem dúvida. Para mim isso é precioso.

C+ - A palavra “avaliação” traz em si o signo do valor. O que isso quer dizer?

MF - O signo do valor aqui pode ser econômico, mas não é só isso. A escola trabalha sobre valores o tempo inteiro, que podem acabar por reproduzir um sistema de opressão, mas ela deve ter por objetivo trabalhar valores humanos e éticos. É preciso levar em conta também que não se trata apenas do valor mercadoria.

Esse valorar é também lutar pelo valor da importância da sua ação, da sua marca nesta ação. Quando falamos nisso, estamos falando em dar-se respeito, que é algo que se perdeu. Na confusão entre uma relação autoritária, uma relação espontaneísta e uma relação democrática isso se perdeu. Todo mundo pede desculpa para ser autoridade, ou se omite na sua função de autoridade. Pai e mãe morrem de medo dos seus filhos, de dizer um não. Crianças acabam se tornando tiranas. O professor também perdeu o sentido de respeito.

Mas não só o professor tem de valorar a sua própria autoridade, como também o aluno tem de aprender a valorar a dele e a do grupo. Essas relações foram esgarçadas. Na sociedade brasileira isso não acontece à toa, é um processo histórico. A partir da ditadura militar, com o golpe de 1964, surge uma geração que confunde o que é assumir sua autoridade com ser autoritário. E assumir autoridade não é mesmo que ser autoritário.

C+ - Nesse sentido, a avaliação é uma ferramenta importante para garantir essa noção democrática de autoridade...

MF - Primordial. Ela é uma ferramenta de tomada de consciência, de resistência contra esse esgarçamento das relações. A avaliação anuncia o que está gasto e pode ser exercitado de outra maneira.

C+ - Mas essa a autoridade também pode ser trabalhada de diferentes formas dependendo da concepção de educação, não?

MF - Como que cada concepção trabalha esse valor vai diferir sim. Onde há centralização as relações se fecham e se transformam em autoritárias. Uma concepção autoritária caracteriza-se na centralização da autoridade ou no pai e na mãe, ou no professor, e não leva em conta a autoridade nem do filho, nem do educando. Mas o avesso disso também é autoritário, quando o educador se omite e dá todo o poder ao educando. Isso pode ser ainda mais grave, pois abandonar uma criança é cometer um pecado mortal, afinal ela não pediu pra nascer, não pediu para ser seu filho, nem seu aluno. Ela está ali cumprindo uma função social que é a de aprender. Quando há omissão frente a essa realidade, comete-se um ato de violência contra aquela criança ou aquele jovem.

Para aprender é preciso rigor, regras, limites, planejamento e avaliação. E numa concepção democrática outra grande dificuldade é o professor assumir a sua autoridade com responsabilidade, pois é ele que deve garantir a autonomia de cada aluno para falar, colocar-se, divergir, perguntar, duvidar. Dessa maneira ele garante também a autoridade do grupo. Ou seja, são três níveis de autoridade que têm de caminhar em sintonia. Esse é um processo que somente com diálogo pode ser construído. E para que esse diálogo possa acontecer, a avaliação é ferramenta mestra.

C+ - Há escolas que segmentam o conjunto de estudantes conforme os resultados de avaliação, conforme suas notas, criando salas e turmas diferentes. Isso pode implodir essa capacidade que a avaliação tem de fazer com que o aluno reconheça as autoridades e inclusive a sua, não?

MF - Sem dúvida. Impede que ele desenvolva a capacidade de se assumir e tomar consciência do que lhe falta, do que ainda tem de estudar, em que aspectos precisa ser mais rigoroso. E isso não significa que numa concepção democrática não existe nota. Existe. Mas a nota é construída com o grupo. Isso quer dizer que, se a avaliação é processual, para cada aula você tem uma nota, um valor em relação à sua produção. A nota é o critério que baliza a produção do aluno e do professor. O desafio é não jogar fora os valores, mas sim resignificá-los. A nota deve servir para localizar o aluno frente aos desafios que ele tem de enfrentar, localizá-lo no curso de seu processo de aprendizagem.

Fonte: C+/ Jaqueline Nikiforos 04/07/2011

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