É possível despertar o senso de pertencimento dos alunos resgatando suas origens e utilizando o que é produzido cotidianamente por eles, como música, poesia e desenhos. Dessa maneira, os estudantes são capazes de se afirmarem como sujeitos políticos.
A conclusão é da dissertação de mestrado da psicanalista Maíra Ferreira, defendida na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP). A pesquisadora realizou seu trabalho na Escola Municipal de Ensino Fundamental Alcântara Machado, localizada na favela Real Parque, em São Paulo (SP).
De acordo com a pesquisadora, a comunidade é emblemática, porque os moradores são herdeiros de indígenas Pankararu e afrodescendentes do sertão de Pernambuco. No entanto, os estudantes não conheciam a cultura de seus antepassados. “Porque a cultura escolar negava a origem dos alunos. Quando se falava sobre migração, não havia menção ao que aquelas famílias viveram”.
Na década de 1950, muitos descendentes dessas populações indígenas e africanas vieram para São Paulo para trabalhar na construção do Estádio do Morumbi, localizado no bairro do Morumbi, onde a Real Parque está. “Na escola, isso fazia parte do senso comum, mas sabiam apenas isso. Vários dos alunos torcem pelo time São Paulo, porém não faziam a ligação com o fato de que são netos daqueles que construíram o estádio do clube”, explica a psicanalista.
Para Maíra, toda escola deveria adaptar seu projeto político pedagógico à realidade da comunidade onde está inserida. Quando foi instituída a Lei 11.645/2008, que obriga o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena, os professores ficaram preocupados como iriam cumprir a exigência. “Mas estava exatamente ali na comunidade. Não precisava pensar em que livro comprar para as aulas. A resposta estava na origem dos próprios alunos”.
Com esse objetivo, ela viajou para a região do Brejo dos Padres (PE) e estudou sobre a história dos antepassados dos estudantes da Real Parque. Após 40 dias, voltou com filmes e entrevistas.
“Nas aulas vagas, fui encontrando os alunos e fomos entrando para a sala de aula. Eles com o rap e eu com o cordel e repente [manifestações mais tradicionais no Nordeste do país]. Fui ensinando métricas, história do hip hop e levei os vídeos que fiz na viagem”, lembra.
“Nas aulas vagas, fui encontrando os alunos e fomos entrando para a sala de aula. Eles com o rap e eu com o cordel e repente [manifestações mais tradicionais no Nordeste do país]. Fui ensinando métricas, história do hip hop e levei os vídeos que fiz na viagem”, lembra.
A partir disso, os estudantes começaram a escrever na métrica do cordel e colocar na batida do rap. A ponte entre presente e passado foi construída. “Nesse momento, também começaram a dizer que tinham vergonha de admitir a própria história em razão do preconceito que sofrem”, revela a psicanalista.
“O futuro tá aí. Batendo na sua porta. Diga não ao preconceito. Porque isso é o que importa!”. O trecho, por exemplo, foi composto pelas estudantes Amanda, Janaína e Jacqueline, ex-alunas da 7ª série do ensino fundamental. “Ter a própria história para se apropriar do passado e reinventá-lo é a semente para o jovem construir o projeto de vida dele. A escola que não ajuda nisso perpetua a amnésia social que o país vive hoje. Não lidar com dores como a escravidão é deixar em aberto a possibilidade de continuarem se perpetuando”, explica Maíra.
“Não quero ser mais um moleque, irmão da vida do crime. Levantei minha cabeça e agora sigo firme”. Parte do rap “Realidade não Fantasia”, a letra foi feita pelos alunos Cesário, Diógenes e Gabriel, que montaram o grupo Rap Elementos. “Não conhecia o poder que o rap tem. Porque pertencer ao hip hop é pertencer a uma historia, um coletivo de luta. O hip hop tem declaradamente a bandeira de reparação da escravidão”, conclui Maíra.
Fonte: Portal Aprendiz/ Texto de Desirèe Luíse 21/02/2011
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