O Projeto Cidade Escola Aprendiz está disponibilizando online e gratuitamente o volume 1 da Coleção Tecnologias do Bairro Escola, "Pesquisa-ação Comunitária".
Compartilhamos abaixo a apresentação da coleção feita pela diretora geral da Associação Cidade Escola Aprendiz, Natacha Costa:
"Apresentar esta coleção significa para nós a celebração de um importante momento na história do Aprendiz: o amadurecimento, por parte da instituição, da capacidade de aliar intensa experimentação e a constante busca pela inovação ao compromisso com a sistematização de nossa prática.
Este compromisso ganhou impulso, nos últimos anos, com a crescente demanda da sociedade de que o terceiro setor produza conhecimento sistematizado e dê suporte à construção de políticas públicas que garantam de fato a superação dos desafios e o exercício
pleno dos direitos humanos universais.
A recente história do Aprendiz é marcada e, podemos até dizer, determinada por este cenário. Em 2004, oito anos após o início de nossas experimentações na Vila Madalena, começamos a sentir, por parte de diferentes setores, o interesse pelo conceito-matriz de nossa prática, o Bairro-Escola. Fomos, nessa época, convocados a estruturar formações para educadores, gestores públicos e lideranças comunitárias, além de participar de debates e seminários em todo o país, o que nos exigiu um enorme esforço para tornar nossa experiência cotidiana de caráter comunitário algo palatável, passível de compartilhamento em outros contextos.
Essa grande oportunidade e a aprendizagem que nasceu das trocas que pudemos vivenciar nos impeliram ao aprofundamento de nossas reflexões, ao aperfeiçoamento de nossas propostas e ao compromisso com o acompanhamento sistemático de nossos projetos.
O rico debate acerca da educação integral no Brasil, que toma fôlego a partir de 2007 com o advento de políticas públicas inovadoras como a Escola Integrada em Belo Horizonte (MG),
o Bairro-Escola em Nova Iguaçu (RJ) e o Mais Educação do MEC, impulsionou sobremaneira
nosso processo de desenvolvimento. A grande aposta destas políticas, que já atingiram milhares de crianças brasileiras, é a de que a tarefa da educação é uma tarefa de todos na sociedade e o processo educativo é, e deve ser, um processo que articule a cidade como um
todo e que, portanto, não se restrinja à escola.
Tal bandeira nada mais é do que a bandeira do Bairro-Escola, que pauta nossa prática desde 1997. Para nós, uma educação de qualidade é fundamentalmente uma educação integral, na medida em que considera e cria condições para o desenvolvimento de todas as dimensões de um ser humano, fortalecendo sua autonomia e capacidade de agir responsavelmente no
mundo. Assim, não existe diferença entre educação e educação integral. Uma educação de qualidade é integral e, neste sentido, reconhece e integra diferentes saberes, espaços e tempos educativos ao processo formativo dos sujeitos ao longo de toda a sua vida.
Nossa prática mostrou e continua mostrando, agora de mãos dadas com experiências de todo o país, que essa proposta de educação integral só é possível se a escola formar com as comunidades e suas respectivas cidades uma forte rede educativa. São as redes locais, democráticas e horizontais, que permitem que sejam reveladas as pessoas, suas histórias e relações, e que conseguem atribuir sentido ao conhecimento a partir da apropriação da cidade como território educativo.
“Sob esta ótica, o processo de ensino-aprendizagem ganha muitos sentidos de acordo com as complexas relações que envolvem a educação integral: o estudante aprende, ensina, seu desenvolvimento é responsabilidade da comunidade, mas ele, como sujeito de seu próprio desenvolvimento, apropria-se de questões sociais, políticas, culturais e ambientais do seu bairro, sua cidade, seu país.”
Proposta pedagógica da Associação Cidade Escola Aprendiz
Esta concepção de educação e de sociedade pressupõe mudanças paradigmáticas em relação aos mais diversos aspectos da nossa organização política e social, a começar pela escola. Compreender a escola como articuladora de potenciais educativos, sejam eles saberes, espaços ou ações da e na cidade, impõe repensarmos estruturas clássicas da organização escolar, como o currículo, as instâncias de participação, o papel do professor e do estudante, a arquitetura, a organização dos espaços e dos tempos e a avaliação.
Propor a articulação de redes locais, com poder de decisão e impacto na formulação e integração de políticas públicas, impõe ao poder público uma agenda (não tão nova, porém ainda incipiente no país) de viabilizar de fato a participação popular na gestão pública e adequar planos, orçamento e estratégias às necessidades das comunidades locais, superando a descontinuidade, a desarticulação entre políticas e a lógica da massificação e do clientelismo que preponderam no âmbito das políticas públicas brasileiras.
Além disso, as pessoas e as instituições são chamadas a se repensar, a participar ativamente das decisões que impactam a sua vida e a construir as ações que possibilitam o enfrentamento dos seus desafios. E isso implica também o reconhecimento de crianças e jovens como agentes da sua própria história e do presente (não apenas do futuro) das suas comunidades e do mundo. Este reconhecimento subverte amplamente a lógica da maior parte das escolas, das políticas educacionais e de inúmeras organizações responsáveis pelo atendimento desta população que ainda compreendem crianças e jovens como um eterno
vir a ser, meros beneficiários de suas ações, ou pior, como responsáveis pelo fracasso de suas propostas ou, ainda, como sujeitos desprovidos de qualquer potência, reconhecidos apenas nas suas carências e faltas.
É neste contexto que se insere esta coleção, composta de quatro volumes, com a sistematização das principais tecnologias sociais desenvolvidas pelo Aprendiz. Por meio dela, buscamos compartilhar o conjunto de reflexões que permitem mostrar como, na prática, temos procurado responder aos desafios acima descritos e a tantos outros que temos encontrado no caminho.
Estas reflexões se organizam no que chamamos de Tecnologias do Bairro-Escola. Em síntese, identificamos quatro condições elementares para a construção e sustentabilidade das comunidades educativas: a articulação de espaços democráticos de debate e construção de projetos coletivos por parte dos agentes locais, o desenvolvimento de práticas educativas
que articulem o currículo formal das escolas aos saberes comunitários, a produção e livre
circulação de informações sobre o território e a visibilidade e fomento dos potenciais da
cultura local, em especial a ocupação positiva dos espaços e equipamentos públicos. Como
estratégias, o Aprendiz desenvolveu quatro tecnologias que buscam criar as estruturas básicas para este processo: a Autoformação Local, as Trilhas Educativas, a Agência Comunitária de Notícias e os Arranjos Culturais.
Assim, os quatro cadernos que compõem esta coleção descrevem, analisam e problematizam algumas experiências práticas relacionadas a estas quatro tecnologias e como elas nasceram, em que momento do seu desenvolvimento nos encontramos e quais são os desafios que elas têm identificado e buscam superar.
Consolidar nestes cadernos 13 anos de um percurso feito de experiências, reflexões, indagações, angústias, erros e acertos significou, para nós, a oportunidade de olhar para trás, reconhecendo nossas origens e referências e de ressignificar a utopia que nos move e confere sentido a cada uma de nossas ações e propostas.
Procuramos neste processo trazer referências teóricas ancoradas nas nossas práticas, a partir dos sentidos próprios de cada autor, todos envolvidos diretamente com a execução das
quatro tecnologias sociais descritas nestas publicações. Ao longo dos cadernos, diferentes
formas de escrever, de construir as reflexões e de expor ideias aparecem. Neste caminho
revelam-se a multiplicidade de olhares e a diversidade de pontos de vista que constituem o
mosaico de experiências e trajetórias que nos compõem.
Assim, vivemos a produção dos cadernos como sendo, ela própria, uma trilha educativa: impulsionou a pesquisa, criou um espaço fértil para a reflexão, consolidou saberes, provocou o desejo de trocas e nos projetou em direção ao futuro.
Em cada um dos textos fica patente que entendemos como cerne desta utopia o desejo de que a educação cumpra o seu papel e garanta as condições para a emancipação dos sujeitos. Educação aqui entendida como um processo que permeia cada etapa de nossa vida e que, potencializada, liberta.
Esperamos que esta coleção contribua com tantos outros aprendizes, não necessariamente mostrando caminhos, mas revelando as perguntas que nos movem e convidando a cada um de vocês, leitores, a fazer parte dessa jornada.
As cidades, as comunidades e as pessoas são mundos em si. Nossa utopia é que esses mundos possam se revelar e compor uma sociedade em que as diferenças, os saberes e os desejos de cada um de nós encontrem um lugar legítimo, reconhecido e potente.
Esse é o papel da educação. E isso é o que chamamos de liberdade.
Que esta utopia continue guiando nossos passos até que nossa missão se torne obsoleta."
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