Por Alexandre Le Voci Sayad
O diplomata e escritor Joaquim Nabuco, no século 19, avisava que a escravidão penetraria, silenciosa, por muito tempo na sociedade brasileira e acabaria como uma “característica nacional”. Dito e feito.
No entanto, a discussão sobre o sistema de cotas raciais ou sociais nas universidades públicas oculta uma situação bem mais profunda e complexa no cenário da educação brasileira.
Ser ou não constitucional, as ações afirmativas nunca foram unanimidade na opinião pública; isso desde os anos sessenta no governo Kennedy, nos Estados Unidos. O motivo é claríssimo a todos os lados que compõem o fervor dos debates: um sistema de cotas parte do direito de igualdade de acesso e tem o objetivo de corrigir provisoriamente uma distorção histórica (a falta desse acesso); uma realidade que levou anos para se consolidar – como previu Nabuco. É uma política que se almeja provisória.
Olhando com mais atenção, quem é o negro pobre que chega à universidade hoje?
É literalmente um sobrevivente. Alguém que persistiu e resistiu a todas as tentativas de o arrancarem à força do sistema formal de ensino – antes da universidade.
Acredito e insisto que é nele, no ensino básico, bem antes da universidade, que reside a chave para a cadeia problemática para todo o acesso e manutenção da qualidade da educação nacional.
Parafraseando o educador norte-americano Geoffrey Canada, continuamos mantendo uma vergonhosa “fábrica de desistentes” em nossa educação pública. Os números estão na casa dos 30%, 40%. A universalização do ensino vira uma pífia lorota partidária perto dessa realidade.
Não há uma pesquisa que não aponte o desinteresse do estudante como fator preponderante da evasão, seguido da necessidade de se trabalhar. O crescimento do Brasil acompanhado de distribuição de renda, em médio prazo, resolve a última.
Mas se as políticas públicas não atentarem à educação artificial, irreal, feita “de isopor” que o currículo proporciona aos seus estudantes, não há crescimento econômico que irá solucionar esses índices.
Neste momento, no Brasil, que me desculpem os economistas, o que menos importa é a universidade. Um ensino básico com capacidade de reter o jovem é capaz , por si só, de formar seres humanos autônomos capazes de girar a economia, política e cultura do Brasil. E de fazer com que negros, pobres e mulheres cheguem aos milhões à universidade sem a necessidade de cotas.
A maneira com que as políticas públicas se constroem acaba por impedir que o Estado multiplique as centenas de excelentes práticas educativas desenvolvidas por ONGs, comunidades, escolas e universidades. Há limitação em convênios, burocracia em excesso e vontade política em escassez para mudar.
Construir uma escola interessante que retenha o estudante não é perfume, mas necessidade de sobrevivência urgente.
Esse é daqueles problemas que se não dermos a devida atenção, seremos dragados por ele em curtíssimo prazo. E não haverá universidade ou cota que dê jeito nisso.
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