A máxima de que o conhecimento científico só tem valor se for para aliviar o sofrimento humano é o lema de um grupo de professores e estudantes da Universidade Federal no Paraná (UFPR) Litoral que decidiu ajudar as vítimas da enchente que marcou a região há um ano. Em pleno domingo, dois dias após a tragédia, dezenas de voluntários se reuniram nas unidades da UFPR Litoral para discutir formas de atuação. Num primeiro momento, a ação se concentrou em ajudar a reconstruir pontes, limpar casas e buscar alimentos e remédios. De lá pra cá, a intenção de ajudar se transformou em vários projetos. Formalmente, oito iniciativas foram estruturadas na universidade, mas outras ações somam aproximadamente 60 pessoas.
Para a professora Edina Vergara, do curso de Serviço Social, o simples fato de os alunos irem até as áreas devastadas e conhecerem a realidade das famílias atingidas já representa um ganho para ambos os lados. As vítimas se sentem acolhidas por serem ouvidas. “E para os estudantes, é a melhor forma de mostrar para quem é que eles devem trabalhar”, diz.
Depois de se envolver nos projetos de auxílio às vítimas no Litoral, uma das alunas viveu um drama familiar e entendeu, da pior forma, a diferença que o apoio a vítimas de tragédias pode fazer. “Ela perdeu cinco parentes nas enchentes do começo do ano no Rio de Janeiro”, conta a professora.
Rotina
Uma vez por semana os voluntários visitam famílias desabrigadas. “O vínculo entre a UFPR Litoral e as comunidades foi estreitado a partir da enchente”, afirma a professora. Foram desenvolvidas oficinas de artesanato, um viveiro comunitário foi reativado, há produção de tijolos de solo-cimento e a criação de abelhas sem ferrão, para gerar alternativas de geração de trabalho e renda. Cada uma das iniciativas recebeu investimento de R$ 85 mil.
Edina reforça que as famílias, antes dos deslizamentos, não dependiam do governo e que não estão acostumadas a essa dependência. A maior dificuldade tem sido lidar com as pessoas que moravam na zona rural, especialmente na comunidade de Floresta, e que não querem se transferir para casas na zona urbana.
Com perfil rural, elas relatam dificuldades para garantir o sustento na cidade, mas estão impedidas de voltar para os terrenos onde viviam, hoje em condições inabitáveis. A situação permanece indefinida. O Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi acionado pelo Ministério Público, que pediu providências para a situação dos agricultores. Os promotores Almir Carreiro Jorge Santos (de Morretes) e Alexandre Gaio (de Paranaguá) tentam conjuntamente encontrar uma solução.
Além da falta de áreas na zona rural, ainda muitas famílias vivem em abrigos, em casas de parentes ou em imóveis alugados pela prefeitura. A Gazeta do Povo esteve em Morretes e Antonina em fevereiro e mostrou que o plano de trabalho para a recuperação do litoral só foi finalizado em novembro. As casas para os desabrigados começaram a ser construídas em dezembro e nem a metade das unidades previstas – 224 – será entregue até a metade do ano. A reconstrução de 22 pontes em estradas municipais ainda está em fase de licitação.
Registro
Tragédia vira documentário
O sofrimento de perder a casa, recordações e, enfim, um pedaço da vida, foi contado pelas próprias vítimas das enchentes no Litoral paranaense. Os depoimentos foram gravados por estudantes e professores da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Eles registraram a destruição no documentário Quem acordou o dragão?, exibido ontem em três sessões, na Cinemateca, em Curitiba. O projeto foi desenvolvido pelo laboratório de divulgação da ciência – chamado de Labmóvel –, que visa mostrar as relações entre o conhecimento científico e o cotidiano das pessoas.
O biólogo Antônio Serbena, que se aventurou como diretor do filme, conta que boa parte dos envolvidos não tinha experiência com filmagens. “Percebemos que tínhamos tudo na mão: o acontecimento, os equipamentos e a necessidade de acompanhar o que estava acontecendo”, diz o biólogo-diretor.
As imagens no litoral foram gravadas durante quatro meses do ano passado. Para Serbena, o desastre no litoral provou que há desprezo pelos avisos técnicos sobre áreas de risco. “A ciência é pouco utilizada pra balizar decisões governamentais”, lamenta.
Charlotte Couto Melo, gestora ambiental e estudante de Linguagem e Comunicação, participou das filmagens e confessa que é difícil não se envolver “quando acompanha uma situação assim tão de perto”.
O filme de 50 minutos tem quatro partes: o relato das famílias desabrigadas, as respostas das autoridades responsáveis pela prevenção e reconstrução, a explicação científica para o desastre e a análise dos reflexos globais do avanço humano sobre o meio ambiente.
Como uma forma de registrar o compromisso das autoridades sobre os acontecimentos, as entrevistas na íntegra foram gravadas em um DVD à parte. O documentário será apresentado, em breve, para os moradores do litoral.
Relembre
Enchentes afetaram 18 mil pessoas
Uma sequência de dias chuvosos culminou com deslizamentos de terra e enchentes em quatro cidades do Litoral paranaense, no dia 11 de março de 2011: Morretes, Guaratuba, Antonina e Paranaguá.
Pontes desabaram, comunidades ficaram isoladas, ruas viraram rios, pedras rolaram dos morros, entulhos carregados pela correnteza causaram quilômetros de estragos e casas vieram abaixo e precisaram ser abandonadas às pressas. Ao total, 4 pessoas morreram, mil pessoas ficaram desabrigadas e 18 mil foram afetadas diretamente.
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