Aqui você encontrará notícias, dicas de sites, cursos, músicas, eventos e atividades que estejam ligadas a projetos de Jornal e Educação e Jovens Leitores.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Por uma ética 'hacker'

No mundo cada vez mais informatizado em que vivemos, saber lidar com a tecnologia de computação, mesmo que apenas como usuário, é um fator de extrema importância. Mas como fazer a inclusão digital – permitir que toda a população se torne fluente nessa nova linguagem? Respostas para essa questão são parte dos estudos do físico e educador Nelson De Luca Pretto, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador do Grupo de pesquisa em Educação, Comunicação e Tecnologias (GEC). Ele também foi o co-organizador do livro Inclusão digital: uma polêmica contemporânea, lançado em dezembro último.

Pretto trabalha com uma definição mais ampla do tema. Nesta entrevista a Ciência Hoje, ele explica que inclusão digital não é apenas dar à população computador e conexão à internet; é fazer com que o indivíduo possa ter acesso a todos os elementos do mundo digital de maneira a tornar-se um produtor de cultura e não um mero consumidor. Por isso, ele e seu grupo defendem uma ética hacker. “Em essência, é uma ética que trabalha a partir dos princípios da colaboração, da horizontalidade e da descentralização”, explica. Pretto fala ainda das consequências de não se investir em inclusão digital, da situação do Brasil, de software livre e do seu projeto Tabuleiro Digital.

O QUE EFETIVAMENTE QUEREMOS QUANDO DISCUTIMOS INCLUSÃO DIGITAL
É QUE O CIDADÃO TENHA ACESSO A TODOS OS ELEMENTOS DO MUNDO DIGITAL
PARA FORTALECER A SUA DIMENSÃO DE PRODUTOR DE CULTURAS E CONHECIMENTOS,
E NÃO DE MERO CONSUMIDOR DE INFORMAÇÃO

Ciência Hoje - O que é inclusão digital? É simplesmente dar computadores e conexão à internet para as pessoas? 
Nelson Pretto - Existem duas grandes perspectivas sobre a inclusão digital. Uma é essa a qual você se referiu, que é colocar computadores e internet disponíveis para a população. É óbvio que isso, para nós, não se configura como uma política correta para esse fim – ela não é suficiente, apesar de ser um aspecto muito necessário. Precisamos entender o que se quer dizer com inclusão: incluir em quê? O que efetivamente queremos quando discutimos inclusão digital é que o cidadão tenha acesso a todos os elementos do mundo digital para fortalecer a sua dimensão de produtor de culturas e conhecimentos, e não de mero consumidor de informação. Esse é o foco central das pesquisas desenvolvidas pelo nosso grupo e, em particular, do segundo livro que acabamos de publicar.

CH - Como a inclusão digital se relaciona com a social? Ela é um veículo para a inclusão social ou as duas são apenas aspectos da mesma questão? 
NP - Elas estão absolutamente relacionadas. A inclusão digital é um fator de inclusão social, mas isso só será verdade se compreendermos a inclusão digital nessa perspectiva mais ampla que estamos defendendo. Por que os filhos das famílias privilegiadas socioeconomicamente participam da cibercultura e do mundo digital? Porque eles têm acesso à internet nos seus quartos, com banda larga de qualidade, serviço de suporte gratuito e liberdade de navegação para efetivamente se constituírem como membros daquilo que chamamos de geração ‘alt+tab’. Se eu tenho programas de inclusão digital na linha de telecentros e infocentros que não compreendam essa dimensão, estou criando uma política perversa que disponibiliza para os filhos das camadas mais populares máquinas ruins para dar aula de software proprietário [aqueles cuja cópia ou redistribuição depende da permissão do proprietário]. Essa dicotomia entre o acesso privilegiado e o mais restrito cria uma segunda exclusão mais grave ainda, pois dá a ideia de que a pessoa está imersa nesse universo cibercultural, mas, na verdade, ela é apenas um coadjuvante reproduzindo a pirâmide de desigualdade que vemos em todos os outros campos.

CH - E quais seriam as consequências para o país de não se investir nessa inclusão?
NP - Seriam graves. Por um lado, o sistema educacional não daria conta dos desafios contemporâneos, porque o mundo hoje está articulado por essas tecnologias digitais. Por outro lado, não se conseguiriam formar cidadãos plenos que pudessem participar do desenvolvimento científico, tecnológico e cultural do país. Estaríamos construindo uma nação onde os poucos privilegiados seriam os criadores e produto-
res de conhecimento, enquanto uma grande maioria seria apenas consumidora. Podemos ir mais longe e dizer que essa é a crise da universidade. Ela está excessivamente voltada para o mercado, que é volátil e está em plena transformação. Dados recentes liberados pelo programador australiano Reto Meier, chefe da equipe de desenvolvimento do sistema operacional Android, no Google, mostram que, em 2050, 95% do nosso conhecimento será novo. Ou seja, hoje só conhecemos 5% do que saberemos daqui a 40 anos. De onde virá
esse conhecimento novo? Dos países que investirem pesado em ciência e tecnologia, em educação e no fortalecimento da cultura.

HOJE SÓ CONHECEMOS 5% DO QUE SABEREMOS DAQUI A 40 ANOS.
DE ONDE VIRÁ ESSE CONHECIMENTO NOVO? DOS PAÍSES QUE INVESTIREM PESADOEM CIÊNCIA E TECNOLOGIA, EM EDUCAÇÃO E NO FORTALECIMENTO DA CULTURA

CH - Como está o Brasil nessa questão? 
NP - Ainda temos grandes desafios para enfrentar. Acho particularmente importante o Ministério das Comunicações ter criado uma secretaria específica para a inclusão digital e também acredito que o projeto Telecentros.BR avançou, pois articula todas as políticas públicas que estavam dispersas. Mas efetivamente progredimos muito pouco tanto do ponto de vista do Plano Nacional de Banda Larga quanto do marco regulatório da internet. Essa discussão é importante e precisamos urgentemente da aprovação do marco regulatório. Entre outros aspectos, esse marco regulatório deve garantir a neutralidade da rede e a liberdade de navegação, que tem sido profundamente ameaçada. Essa ameaça tem
ocorrido não só no Brasil, com o chamado ‘AI-5 digital’ – legislação proposta pelo senador Eduardo Azeredo para regular a internet – como também no mundo, por causa dos grandes projetos de lei internacionais, como o Sopa [sigla em inglês para a lei Pare com a Pira-
taria On-line] e o Pipa [sigla em inglês para a lei Proteja a Propriedade Intelectual], que visam estabelecer um controle forte da propriedade intelectual.

CH - E o que precisaria mudar nesses projetos para se tornarem mais eficazes? 
NP - Além dos aspectos jurídicos já mencionados, precisamos de banda larga de qualidade, de uma infraestrutura pública nacional que garanta o acesso de todos. Não é possível pensar em uma política de conectividade que não garanta para as pessoas uma conexão de banda larga com velocidade decente. E, mais do que tudo, sem limitação de tempo de navegação ou de volume de arquivos baixados. Não adianta uma escola ter uma conexão de 512 kilobits/segundo, ou mesmo 1 megabit/segundo, se ela tem centenas de computadores portáteis na mão dos alunos e não é possível conectar nem 30 deles de uma vez, porque senão ninguém consegue fazer coisa alguma. Além da garantia da capilaridade da conectividade, temos que trabalhar de maneira forte a ideia da qualidade e da garantia da qualidade do serviço oferecido pelas operadoras privadas. Esse é o maior nó do Plano Nacional de Banda Larga.
Do ponto de vista do marco regulatório, ele tem que garantir o acesso pleno e a não criminalização de tudo na internet. Sem isso, fica impossível pensar em uma perspectiva de inclusão digital que não seja meramente a de distribuição de informação. Essas restrições seriam a grande bandeira – embora ninguém a assuma – de uma política de inclusão que apenas botasse computador e internet nas escolas. Você se conectaria aos grandes portais, que distribuiriam as informações. É aquilo que eu e o [professor da Faculdade de Comunicação da UFBA] André Lemos chamamos de ‘portais-currais’. Traz-se a lógica da comunicação de massa para um novo meio, a internet, que é, por natureza, extremamente capilarizado, descentralizado e horizontal. Os meios de comunicação de massa, materializados essencialmente pelo sistema de televisão, são uma rede que funciona a partir de grandes centros distribuidores para centros consumidores espalhados no Brasil e mundo afora.
Já, na internet, o sistema é articulado por nós, em um nível horizontal, em que a comunicação é muito mais democrática.

Leia a entrevista completa acessando o link: http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2012/290/pdf_aberto/entrevista290.pdf 

Nenhum comentário:

Postar um comentário