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terça-feira, 29 de junho de 2010

Seminário discute inclusão digital e cibercultura

Entre os dias 14 e 16 de julho acontece o V Seminário Nacional O Professor e a Leitura de Jornal - Educação, Mídia e Formação Docente, na Unicamp. O evento é uma promoção da Associação de Leitura do Brasil (ALB), Associação Nacional de Jornal/Programa Jornal e Educação (ANJ/PJE), Faculdade de Educação da Unicamp e Rede Anhanguera de Comunicação (RAC).

Durante o seminário haverá conferências, mesas-redondas, oficinas e comunicações que discutirão as muitas interfaces da relação mídia e educação. Entre os palestrantes está Marco Silva (foto), sociólogo e doutor em Educação. Professor-pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estácio de Sá (RJ). Professor-pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e autor de artigos para várias publicações (em destaque). Veja abaixo entrevista realizada pelo Programa Jornal e Educação (Cristiane Parente e Wendel Freire).

Na “era digital”, temos os inforricos e os infopobres. Você também destaca o infoanalfabeto, dando a entender que não basta ter acesso às tecnologias digitais online para ser um alfabetizado digital. Qual o perfil do infoanalfabeto?

Paulo Freire tem um entendimento muito profundo sobre o que seja o analfabeto. Para ele, o analfabeto não é meramente aquele que não sabe operar com os códigos da leitura e da escrita. Mais do que isso, é alguém que não sabe lidar com os códigos necessários para se posicionar e interferir criticamente no mundo. Pego carona nesse entendimento para situar o infoanalfabeto ou o excluído digital. Não é meramente aquele que não tem acesso ao computador e à internet, mas aquele que não sabe operá-los para se posicionar e interferir criticamente no espaço e no ciberespaço. Ou seja, quem apenas divulga fragmentos do seu cotidiano no Twitter, Facebook e Orkut, envia e-mails e sua declaração de imposto de renda não é necessariamente alfabetizado ou incluído digital. Caberá à escola e a universidade o trabalho sofisticado e profundo que vai além do acesso, que considero ser um primeiro degrau sine qua non. O desafio de “ir além do acesso” é grande, tendo em vista que os professores, muitas vezes, não têm acesso e, de resto, são infoanalfabetos e até resistentes. Faltam investimentos significativos na formação de professores para uso das tecnologias digitais de informação e comunicação. Uma formação capaz de potencializar o projeto político pedagógico da escola, a docência e a aprendizagem. Dessa formação dependerá a educação para a cidadania em nosso tempo. As escolas, as universidades e os governos estão muito atrasados nisso.

A escola tem contribuído para a redução dos infoanalfabetos? Se não, como poderia proporcionar essa nova alfabetização?

Vejo com bons olhos a política pública que disponibiliza um computador por aluno. No dia 14/06/2010 foi divulgada no Diário Oficial da União a resolução que estabelece as normas e diretrizes para que municípios, estados e o Distrito Federal se habilitem ao Prouca (Programa Um Computador por Aluno), para 2010 e 2011. Esse programa permitirá a aquisição de computadores portáteis novos com conteúdos pedagógicos pelas redes públicas de educação básica. Essa tardia resolução é maravilhosa! Entretanto, não há implementação da formação continuada dos professores para uso dos laptops (inclusão ou alfabetização digital integrada ao currículo) capaz de vencer resistências e potencializar a docência e a aprendizagem em nosso tempo, que é entendido como era digital, cibercultura ou sociedade da informação. Para além da distribuição do acesso, a escola e a universidade poderão proporcionar e promover a nova alfabetização. Para isso, precisarão investir no uso do computador e da internet integrados aos conteúdos de aprendizagem, ao ofício dos professores e ao trabalho dos aprendizes. Esse investimento deverá ser capaz de contemplar participação, colaboração e cocriação dos professores e estudantes em redes off-line e online de informação, comunicação e conhecimento.

“Era digital”, “cibercultura”, “sociedade da informação” são palavras/expressões que ouvimos constantemente relacionadas ao nosso contexto atual. Como você definiria esse momento?

“Era digital” é a nossa atualidade sociotécnica, informacional e comunicacional, definida pela “codificação digital” (bits), isto é, pela digitalização, que garante o caráter plástico, fluido, hipertextual, interativo e tratável em tempo real do conteúdo, da mensagem. A codificação digital permite manipulação de documentos, criação e estruturação de elementos de informação, simulações, formatações evolutivas nos ambientes ou estações de trabalho do tipo Macintosh, Linux e Windows, concebidas para criar, gerir, organizar, fazer movimentar uma documentação completa com base em textos, grafismos, imagens, vídeos. Digital significa existência imaterial de tudo isso na memória hipertextual do computador que permite múltiplas formatações, intervenções, navegações da parte do usuário. “Cibercultura” diz respeito à condição cultural contemporânea emergente no cenário da “era digital”, a partir das relações entre sociedade e tecnologias digitais, principalmente o computador, o celular e a internet. É caracterizada por práticas, atitudes, modos de pensamento e de valores engendrados a partir de princípios formulados pelo pesquisador brasileiro André Lemos como “liberação da emissão”, “conexão e conversação mundial” e “reconfiguração do sistema infocomunicacional global”. Para este autor, os dois primeiros princípios criam a “paisagem comunicacional” do “sistema pós-massivo” em que se manifesta a reconfiguração do contexto analógico e unidirecional dos meios de massa, por novas práticas comunicacionais (e-mails, listas, weblogs, jornalismo online, redes sociais, mundos virtuais, etc.) e novos empreendimentos que aglutinam grupos de interesse (cibercidades, games, software livre, ciberativismo, arte eletrônica, MP3, cibersexo, etc.). E “sociedade da informação” é a expressão formulada por D. Bell para exprimir o novo contexto sócio-econômico-tecnológico engendrado a partir do início da década de 1980, cuja característica geral não está mais na centralidade da produção fabril ou da mídia de massa, mas na informação digitalizada como nova infraestrutura básica, como novo modo de produção.

Quais os desafios específicos que este novo cenário social e tecnológico traz para a educação?

Nosso contexto sociotécnico expresso pelas palavras/expressões “era digital”, “cibercultura”, “sociedade da informação” traz um enorme desafio comunicacional para o currículo escolar e para a mediação docente. Os alunos imersos nesse cenário, chamados de “nativos digitais” ou “geração net”, se distanciam do espectador típico dos meios unidirecionais da cultura de massa. Aprenderam com o controle remoto da tv e agora aprendem com o mouse e com a disposição hipertextual, imersiva e interativa da tela digital. Eles migram da tela da tv para a tela do computador conectado à internet e são mais resistentes às tentativas de programá-los. Evitam acompanhar argumentos lineares que não permitem a sua interferência. E lidam facilmente com o hipertexto e com a experiência comunicacional que lhe permite interferir, modificar, produzir, partilhar e colaborar. Essa atitude menos passiva diante da mensagem é sua exigência de uma sala de aula sustentada em nova postura comunicacional do professor. No lugar da pedagogia da transmissão baseada em lições-padrão e no falar-ditar do mestre, ele precisará propor a construção do conhecimento, em uma arena presencial ou online, baseada em iniciativas capazes de garantir a materialidade da comunicação efetiva. Cito, por exemplo: disponibilizar múltiplas experimentações, múltiplas expressões; promover uma montagem de conexões em rede que permita múltiplas ocorrências; provocar situações de inquietação criadora; arquitetar percursos hipertextuais na proposição dos conteúdos de aprendizagem; e mobilizar a experiência da construção colaborativa do conhecimento. São autorias do professor que venho pesquisando com muito interesse, porque contemplam a dinâmica da cultura digital e, ao mesmo tempo, princípios essenciais da mediação da aprendizagem na educação autêntica. Da autoria do professor dependerá a comunicação com a geração digital e sua inclusão à cibercidadania.

Célestin Freinet e Paulo Freire já propuseram e realizaram educação dialógica muito antes da internet popularizar o termo “interatividade”. O que há de vital no ambiente multimídia que não estava presente em Freinet ou Freire?

Em primeiro lugar, “interatividade” não é um termo específico de ambiente multimídia ou informatizado. É um conceito de teoria da comunicação. Portanto, pode-se realizar interatividade em ambientes infopobres. Para um entendimento inicial desse conceito, podemos dizer que é a articulação intencional da emissão e da recepção para cocriação da mensagem. Sabemos que, nos meios impressos, radiofônicos e televisivos, a interatividade é inviabilizada, porque são tecnologias unidirecionais em sua natureza analógica. Nesses meios a emissão está separada da recepção. Neles somente a emissão tem o controle sobre a produção da mensagem, não há bidirecionalidade, não há participação ou autoria efetiva da recepção, portanto, não há dialógica. Em suma, não há comunicação. O que há é informação de A para B ou de A sobre B, mas não comunicação de A com B, o que deixa claro o equívoco de se chamar jornal, rádio e tv de “meios de comunicação”. São na verdade meios de informação de massa. Lamentavelmente, a sala de aula, com raras exceções, está baseada na “pedagogia da transmissão” – seja a presencial, seja a online –, quando são subutilizadas as potencialidades interativas ou dialógicas do computador e da internet. Isso ocorre quando os sistemas de ensino estão no mesmo paradigma dos meios de informação de massa. Para haver educação autêntica é preciso que haja dialógica, ou seja, é necessário haver a construção colaborativa da comunicação e do conhecimento. Freinet, Freire e também Vygotsky apostaram nisso. Se estivessem vivos hoje, fariam bom proveito dos ambientes multimídia que articulam computador e internet para potencializar a pedagogia dialógica e socioconstrutivista. Tais ambientes têm em sua natureza digital a disposição para multidirecionalidade, para o conversacional, para a cocriação da mensagem e do conhecimento. Entretanto, podem ser subutilizados quando prevalece a lógica da transmissão unidirecional, quando os professores são excluídos digitais, infoanalfabetos. No livro Sala de aula interativa procuro fazer o tratamento complexo do termo “interatividade” em sintonia com esses autores e com as disposições e potencialidades comunicacionais e colaborativas do computador e internet que eles não conheceram. Se pudessem vivenciar a cultura digital, muito provavelmente esses educadores basilares se dariam conta de que o computador e a internet não são meios unidirecionais um-todos, ao contrário, são tecnologias de comunicação e colaboração todos-todos muito favoráveis às suas teorias e práticas educacionais e também à formação da cibercidadania.

O que significa para você cibercidadania? Como a cibercidadania pode potencializar uma educação de qualidade?

Inverto a pergunta: como a educação pode potencializar a formação da cibercidadania. Sabemos que a finalidade da educação é formar para a cidadania. Entretanto, na “era digital”, “cibercultura”, “sociedade da informação” é preciso formar o cibercidadão. Formar para cibercidadania é colocar os grupos sociais e indivíduos em sinergia, utilizando o potencial de comunicação e colaboração do ciberespaço como vetor de agregação social, sociabilidade e participação na cidade, na cibercidade e no mundo. Cibercidadania é mais do que ter acesso à conectividade, é mais do que poder consumir online. É atuar no ciberespaço com perspectiva comunitária e política. As escolas precisam formar as novas gerações para atuação na cibercidade, nas redes sociais reconfiguradas pelas tecnologias digitais e pela internet: participação online de cunho ambiental, político ou social, ciberativismo, “jornalismo cidadão”, museu virtual, fóruns de discussão, formação, trabalho e colaboração online. Esse engajamento dos professores e do currículo escolar pode cumprir o papel social da educação em nosso tempo. A propósito, sugiro uma leitura interessante que introduz oportunamente este tema. Refiro-me ao livro O futuro da internet – em direção à ciberdemocracia planetária, escrito em dupla pelos estudiosos da cibercultura André Lemos e Pierre Lévy. Eles não tocam no tema educação, lamentavelmente, mas oferecem reflexões preciosas para quem quiser situá-la frente ao desafio de formar para cibercidadania.
O documentário “Periferia.com” revela a proliferação de lan houses e o uso que crianças e jovens fazem delas. De modo geral, esses espaços não diferem dos antigos fliperamas. Como incluir verdadeiramente a criança e o jovem na cultura digital?

Não vi esse documentário, mas li a respeito no seu blog sobre o crescimento do uso das lan houses entre as populações que não têm acesso ao computador conectado em suas residências. Inicialmente é preciso ficar claro que uma coisa é fliperama e outra coisa é lan house. O primeiro oferece jogo operativo. O segundo oferece jogo interativo. O que o clássico pinball requer do jogador senão estocadas em uma esfera disparada na direção dos locais de pontuação? A lan house oferece computador, seus periféricos de operatividade e conexão online que permitem imersão, autoria e colaboração no ciberespaço. O jogo aqui ganha potencialidades para além da operatividade. Enquanto o pinball requer do jogador a destreza mecânica para estocar a esfera na direção de limites fixados em um plano inclinado, o computador potencializa extensão do pensamento do jogador. O computador opera como um sistema de organização de informações que funciona de modo semelhante ao sistema de raciocínio humano: associativo, não linear, intuitivo, muito imediato. Permite simulação, criação e colaboração em rede de interatores geograficamente dispersos, em tempo síncrono e assíncrono. Permite games interativos e não somente operativos. Mais do que ultrapassar fases criadas pelos desenvolvedores, os novos games baseados em pontentes inteligências artificiais permitem que os jogadores construam eles mesmos novas fases, armadilhas e cenários para desafiar seus oponentes. O futuro dos avatares em ambientes 3D é ilimitado. O jogo online na tela do computador ou do celular está aberto à expressão ilimitada da inteligência humana e da inteligência artificial. Ao adentrar criativamente este universo, a criança e o jovem se incluem na cultura digital, mas não necessariamente na cibercidadania. Os jogos online poderão ampliar muitas vezes a performance sanguinária e maléfica. Poderão ser simuladores potentes do ciberterrorismo, cyberbullying, roubo e assassinato. Tudo isso também é cultura digital. Assim sendo, para incluir os jogadores na cultura digital, basta oferecer-lhes acesso e deixá-los entregues a si mesmos e às forças subterrâneas da web e se tornarão hábeis “nativos digitais”. Porém, promover a cibercidadania capaz de equipá-los para o posicionamento crítico na cultura digital requer significativo investimento em educação sintonizada com o nosso tempo sociotécnico e firme na sua finalidade de formar o cidadão.

Informações sobre o V Seminário Nacional O Professor e a Leitura de Jornal: Educação, Mìdia e Formação Docente em: http://www.alb.com.br/portal/5seminario/index.html

Os livros Sala de Aula Interativa, de Marco Silva (Ed. Loyola); Ensino-Aprendizagem Comunicação, organizado por Mary Rangel e Wendel Freire (WAK Editora) e Educação Online - Cenário, Formações e Questões Didático-Metodológicas, organizado por Marco Silva, Lucila Pesce e Antônio Zuin (WAK Editora) serão lançados durante o seminário, no dia 15/07, às 11h, no Centro de Convenções da Unicamp.

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