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quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O aprendizado que vem do mar


Conhecido pelas grandes expedições rumo à Antártica, o navegador brasileiro Amyr Klink encanta as pessoas por sua coragem e simplicidade. Aprendeu com o pai libanês que o homem precisa viajar para ver de perto, sentir a distância e valorizar aquilo que é seu. De sua mãe, uma artista sueca, herdou a vontade de aprender idiomas e a paixão pela língua portuguesa. Entre os livros que o influenciaram, a obra A Lua vem da Ásia, de Campos de Carvalho, fez com que ele começasse a entender a beleza do próprio idioma. O amor pelo mar começou na infância, quando frequentava com a família a região de Paraty, no Rio de Janeiro.
Com mais de 40 viagens no currículo, que incluem a primeira travessia solitária do Atlântico Sul a remo, em 1984, e a primeira circum-navegação da Antártica, a bordo do veleiro Paratii, em 1998, entre outras, Klink transformou algumas expedições em livros, como Cem dias entre céu e mar e Mar sem fim, ambos pela editora Companhia das Letras. As três filhas – Laura, Tamara e Marininha – participaram de sete viagens e escreveram o livro Férias na Antártica (Editora Grão). Somente em 2011, as meninas fizeram mais de 70 palestras em escolas sobre essa experiência. Ao participar da feira e congresso Educar Educador 2012, em São Paulo (SP), Klink concedeu esta entrevista exclusiva à revista Gestão Educacional.
Gestão Educacional: O senhor é frequentemente convidado a falar sobre planejamento, mas costuma dizer que não se considera um planejador. Por quê?
Amyr Klink: Hoje a área de planejamento é muito sofisticada e eu não fiz essa escola. Uso vários conceitos que estão ligados ao planejamento, mas desenvolvi uma metodologia prática para resolver os problemas nessa área, por isso, o que eu posso falar é na esfera estratégica. É um processo complexo, mas também não deve ser o objetivo da vida. É como buscar lucro; este não pode ser o único objetivo de uma empresa. É um processo importante, mas não é suficiente. Não adianta ser um planejador impecável se [você] não tem ética, se não determina compromissos, se não tem iniciativa para executar. Não sou especialista em planejamento, tenho a experiência prática para a qual planejamento é um item vital, mas não suficiente.
Gestão Educacional: O gestor educacional também aprende muito na prática...
Klink: Acredito que o planejamento é um dos itens importantes no processo de gestão de uma escola, mas não é o único, pois há muitos outros: iniciativa, liderança, organização, carisma, sucesso de viabilidade econômica, capacidade de delegar e de constituir equipes. São várias características no processo de gestão como um todo, entre as quais um bom planejamento. Mas o planejamento – insisto – não é a garantia para nada. O importante não é seguir à risca aquilo que você determinou no papel; é usar o que você desenhou e formalizou como referência em relação ao que precisa fazer. Se você não tem uma referência, aí está à deriva.
Gestão Educacional: O que a sua experiência lhe mostrou sobre a capacidade de lidar com as mudanças e incertezas?
Klink: Vivemos uma revolução de transformações. A habilidade para lidar com mudanças e a capacidade de atualização são importantes na gestão. Comandar o pensamento numa sala de aula, por exemplo, é exatamente como comandar o barco no meio do oceano, das ondas gigantes. Você não sabe o que vai acontecer e se você soubesse não teria sentido. Se tudo fosse previsível, não teria graça. O engraçado é que na minha atividade tudo aquilo que a gente tenta imaginar e antecipar na prática nunca acontece, mas você não pode entrar nessa sala, nesse oceano, sem estar preparado. Por isso que eu digo que passar conhecimento é um processo permanente de aprendizado.
Gestão Educacional: O senhor já teve medos e dúvidas se esses projetos iriam dar certo, se seriam bem-sucedidos?
Klink: O que mais dá medo não é descer as ondas de 25 metros. O que mais dá medo é você quebrar economicamente no processo, incorrer em algum erro muito grave, por exemplo, um erro social ou técnico. E esses erros têm acontecido por aí, como naufrágios e infrações de vários tipos. Faz parte do processo de tentar minimizar todas essas possibilidades de falhas.
Gestão Educacional: É possível prever todos os riscos e dificuldades pelo caminho?
Klink: Não. O importante não é o quanto o processo de planejamento vai conduzi-lo nos trilhos até o seu objetivo, mas usá-lo ao longo da implementação do projeto como uma referência para saber o quanto você está saindo fora daquilo que previu.
Gestão Educacional: Em uma entrevista para um programa de televisão brasileiro, o senhor comentou que tem horror a aventuras, que tudo que não quer é ter aventuras no mar. Por quê?
Klink: Eu vejo a palavra “aventura” no sentido pejorativo, como uma falta de objetivos claros, essa cultura do “vamo que vamo”. Não gosto disso, mas sim de fazer coisas difíceis, de ir realmente aonde não dá para ir; quero ter certeza de poder voltar, ir de novo, desfrutar. Não tenho essa cultura de ir até o limite da resistência humana. Gosto de aventura, mas gosto da experiência de poder ir para esses lugares sem sofrimento, sem perda de vidas, sem dano material, sem causar impacto. E aprendi a fazer isso de uma maneira bastante competente.
Gestão Educacional: Inevitavelmente, surgem imprevistos. Como o senhor lida com os efeitos do estresse?
Klink: O estresse é uma das coisas que deixam a gente em estado de alerta. Não é condenável, acho saudável. Comandar um barco sozinho em uma viagem ao redor da Terra não é uma atividade simples. Você não pode estar relaxado, meditando, isso não funciona. Deve estar alerta e atento, não pode dormir o quanto gostaria, é um processo estressante. O estresse pode ser positivo, só não pode [te] deixar perder o controle. Tem pessoas que nessa situação se descontrolam, acumulam reações insensatas e se tornam inúteis. Aprendi a conviver com situações de estresse. Não é gostoso, mas no final é gratificante, pois você encerra uma etapa.
Gestão Educacional: Durante a feira e congresso Educar Educador 2012, o senhor comentou que “aprendeu a aprender”. O que quer dizer com isso?
Klink: Falei em “aprender a aprender” porque entendo que existe tanto conhecimento acessível que tudo aquilo que você sabe, em pouco tempo, torna-se obsoleto. No caso do educador, é um processo permanente de atualização. Precisamos ter muito cuidado para não ficarmos plugados apenas no que está vindo e não prestarmos atenção no que já existe. Devemos insistir na importância de estudar a própria história. Às vezes estamos somente preocupados em incorporar coisas novas e não olhamos para o passado. É um processo complexo, precisa ter certa dose de humildade, de desprendimento para continuar incorporando conhecimento. Sinto que há dificuldade em relação a conteúdo, conhecimento, experiência prática e, nesse sentido, o educador tem um papel importante: mesmo não querendo educar, ele se torna uma referência.
Gestão Educacional: O senhor pode contar como foi a experiência educacional com as suas filhas nas viagens?
Klink: Na França, por exemplo, existe uma metodologia de ensino para pais que não querem mandar os alunos para a escola. Você pode educar os seus filhos em casa. Essa metodologia é muito aplicada no caso de pais que trabalham em profissões instáveis ou que se locomovem muito, sendo utilizada em vários países. No Brasil não temos a viabilidade legal para isso, não posso educar as minhas filhas em casa. Então, no começo achei que seria uma complementação importante no currículo escolar poder viajar nas férias, e foi assim que surgiu a primeira viagem para a Antártica, há seis anos. Depois percebemos que a experiência tinha uma função educativa e começamos a “invadir” a grade curricular com as viagens. Hoje negociamos com a escola e parte das lições é feita a bordo. E foi dessa decisão que nasceu a ideia de uma das professoras de criar um livro.
Gestão Educacional: Em relação à inovação e tecnologia, quais foram os principais aprendizados que o senhor tirou das viagens?
Klink: Quando falamos de inovação e tecnologia, a tendência é olhar muito para frente, usar como referência o que se faz em países de primeiro mundo, em núcleos de excelência, em regiões onde se semeia tecnologia e conhecimento. E é engraçado porque temos encontrado soluções extraordinariamente inovadoras e tecnológicas que se tornam referência por optar por um caminho diverso, da extrema simplicidade, ou por usar o conhecimento regional. Acho que a escola tem uma deficiência muito grande: se ensina muita coisa e os alunos fazem pouco. Não tem a parte de laboratório, de contato real que é importante. A tecnologia dos métodos educacionais nunca proporcionará isso. Por mais realidade que você coloque em uma aula 3D, ela não criará a experiência tátil com a matéria, um produto, uma solução, e isso é parte do meu dia a dia.
Gestão Educacional: Na sua opinião, a internet facilita o acesso à informação?
Klink: Facilita muito, só que essa informação vem pronta, é diferente de você construir informação, [de você], por exemplo, ler um jornal, ouvir falar, ter tido uma experiência naquele local, ter lido obras a respeito; de repente você se defronta com uma notícia e conclui um fato. A liberdade pura e simples da informação é muito ruim. O foco e os valores são muito importantes. E nisso a escola tem um papel importante, de ajudar a selecionar, juntamente com os pais.
Gestão Educacional: O senhor gostaria de deixar um comentário final?
Klink: No caso do gestor escolar, acredito que a gente tem que achar uma maneira de obsessivamente melhorar o conteúdo do que estamos usando para essas ferramentas disponíveis, encontrar uma maneira de construir valores, que é algo importante, mas que não estamos acostumados a fazer no Brasil. É engraçado como às vezes preparam-se alunos incrivelmente capacitados, mas totalmente destituídos de qualquer valor moral. Padecemos de uma preocupação mais autêntica em relação a conteúdo e valores, e acredito que é uma área em que a tecnologia não melhora muito as coisas.
Fonte: Revista Gestão Educacional (janeiro de 2013)

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