Artigo de Lygia de Sousa Viégas (*) publicado na Folha de Sâo Paulo em 23/02/2010
Os dados recentes da Educação brasileira atualizam uma discussão que povoa o mundo Escolar: a reprovação no primeiro ano do ensino fundamental. O número agora apresentado, se analisado apenas sob o ponto de vista estatístico, parece pouco: a cada cem crianças, quatro são reprovadas. No entanto, devemos lembrar que os números escondem muitas vidas, pedindo reflexão.
Os caminhos são vários. Sem pretender esgotar o assunto, sinalizo dois extremos. De um lado, o mais óbvio, e que revela um traço da cultura Escolar em nossa sociedade: a suposição de que "é normal que alguns alunos fiquem para trás", cuja consequência no dia a dia é reforçar preconceitos em torno de alunos, que são, por vezes de maneira precoce, tratados como "aqueles que não têm condição de aprender".
Com isso, a reprovação é vista como responsabilidade apenas desses alunos, que "não têm competência intelectual".
Tratados como incapazes, eles aprendem na Escola que lá não é lugar para eles. No futuro, muitos dirão "abandonei a Escola", sem se dar conta de que foi a Escola que os abandonou.
A estrutura (que acompanha a história da Educação brasileira há décadas quase de forma intocada) foi um dos motes para a implantação do ensino fundamental de nove anos, que veio acompanhada da promessa de alfabetizar todas as crianças antes dos sete anos, direito que faltava aos mais pobres e que, se supunha, os fazia reprovar logo ao entrar na Escola.
No outro extremo, um "novo" aspecto deve compor a leitura desse índice, apontado por alguns como pequeno: diversos Estados e municípios implantaram políticas que proíbem a reprovação, produzindo como efeito que um número significativo de crianças passa de ano sem de fato aprender.
Basta olhar com atenção para notar que menos da metade dos municípios brasileiros registrou reprovações no primeiro ano. Assim, os alunos concluem o ensino fundamental e melhoram a estatística brasileira.
Pelos números, parece um bom resultado, mas o fato é que, mesmo dentro das Escolas, eles permanecem excluídos e abandonados ao próprio azar.
Esses dois extremos da situação apontam para um aspecto comum: o descompromisso político com a melhoria da Escola, sobretudo quando voltada para a população mais pobre. Saibamos: em termos de Educação, os números não revelam a realidade! O fato é que ainda temos muito que avançar.
(*) LYGIA VIÉGAS é mestre e doutora em psicologia Escolar pelo Instituto de Psicologia da USP. Atualmente, coordena o curso de Psicologia da Faculdade São Bento da Bahia.
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