O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, anunciou nesta quarta-feira (16) a intenção de criar neste ano o que chamou de universidade livre no Brasil, isto é, um portal de internet com vídeos de aulas, palestras e seminários realizados em cursos de todas as áreas do conhecimento, nas 59 universidades federais brasileiras. A ideia é que universitários e a população em geral possam assistir a aulas e atividades acadêmicas, seja a título de reforço ou para complementar a formação.
Mercadante tratou do assunto antes de palestra do professor norte-americano Salman Khan, idealizador da Khan Academy, no Ministério da Educação. A Khan Academy é uma instituição sem fins lucrativos, financiada por entidades como a Fundação Bill Gates e a Fundação Lemann, que disponibiliza na internet vídeos com aulas de matemática, química, física e biologia, além de oferecer metodologia adotada por cerca de 5 mil escolas nos Estados Unidos — no Brasil, dez colégios de municípios paulistas já utilizam o sistema.
— Você poderá assistir à aula de qualquer professor, em qualquer universidade do Brasil. Você quer um tema específico, você entra lá e assiste a uma palestra. Você quer complementar o curso que você está fazendo, você pode entrar e fazer. Isso vai multiplicar a capacidade pedagógica de aprendizagem. Não substitui a universidade, não substitui a certificação, que é o diploma, que só a universidade pode dar. Mas ajuda a reforçar o processo de aprendizagem — afirmou Mercadante, ao falar sobre o projeto de criação da chamada universidade livre.
Segundo o ministro, está em estudo, neste momento, qual deve ser a plataforma tecnológica da universidade livre. O passo seguinte será a realização de pregão eletrônico para a aquisição da tecnologia escolhida. Mercadante afirmou que as universidades federais terão autonomia para decidir se participam ou não:
— Pelo que conversamos com os reitores, há uma grande simpatia pela iniciativa. Acho que ela será muito exitosa.
Khan Academy
Salman Khan, de 36 anos, contou que a Khan Academy é resultado de sua tentativa de ensinar matemática a uma prima então de 12 anos, em 2004. Naquela época, Khan trabalhava no mercado financeiro e começou a dar aulas de reforço para a prima e, depois, para diversos familiares. Para otimizar seu tempo, ele começou a gravar "aulas" e postar os vídeos na internet, no site YouTube. Cinco anos depois, Khan largou o emprego e passou a se dedicar integralmente à disseminação do conhecimento e de vídeos com aulas sobre diferentes assuntos do currículo de educação básica. Segundo ele, 6 milhões de pessoas por mês acessam a página da Khan Academy, na internet (www.khanacademy.org), em 216 países e territórios.
Khan destacou que a tecnologia permite que crianças pobres na África tenham acesso a educação com mesmo nível de qualidade que os filhos de bilionários nos Estados Unidos. Para Khan, porém, a tecnologia não substitui os professores nem o ambiente da sala de aula. Pelo contrário, afirmou ele: o ideal é que os alunos assistam aos vídeos em casa ou fora do horário de aula, dedicando o tempo em sala para interagir com o professor e os colegas:
— O ponto central é que os alunos possam aprender no próprio ritmo. Que o estudante veja (o vídeo) no seu tempo, no seu ritmo, e use a sala de aula para interação real com o o professor e os estudantes — afirmou Khan.
Indagado sobre o risco de que os estudantes não vejam os vídeos fora de aula, Khan respondeu:
— A coisa que sempre pergunto é: quando você tem alunos na sala ouvindo uma aula expositiva, como é que você sabe que estão de fato ouvindo? Muitas vezes, podem estar fingindo que estão ouvindo. Muitas vezes, se você está ensinando a um grupo de 30 estudantes, alguns estão entediados, outros perdidos.
Em 2012, a Fundação Lemann deu início a um projeto piloto em dez escolas públicas no estado de São Paulo, com 1.225 alunos dos anos iniciais de ensino fundamental. Além de assistirem aos vídeos, as crianças fazem exercícios no computador. Os professores têm acesso ao desempenho dos estudantes, identificando os pontos fracos e fortes da aprendizagem. O projeto deverá alcançar 6 mil estudantes em 2013.
A Fundação Lemann traduziu para o português 400 aulas da Khan Academy. O acervo ficará disponível para professores de ensino médio da rede pública que receberão tablets neste semestre. O ministro disse que 430 mil profissionais serão contemplados com aparelhos comprados com recursos do MEC. Os tablets terão dispositivo capaz de inutilizar o equipamento em caso de perda ou roubo.
Os vídeos traduzidos da Khan Academy poderão ser acessados também no Portal do Professor, juntamente com materiais pedagógicos e videoaulas produzidos por outras instituições.
— Queremos que isso seja mais uma opção de todos os professores, de todos os educadores. Nada substitui a relação professor-aluno. É mais uma opção que o professor tem para ver boas aulas, práticas didáticas exitosas — afirmou Mercadante. — Se o professor e a rede municipal ou estadual tiver interesse em utilizar de uma forma mais intensa, o MEC está disposto a apoiar, não só essa metodologia, essa plataforma, mas todas as outras plataformas similares que estamos construindo hoje no mundo da internet.
Fonte: O Globo Educação/ Demétrio Weber 16/01/2013
A propósito desse otimismo todo com as vídeos-aulas no Youtube do sr Salman Khan, que seduziram até o Ministro da Educação Marcadante, a ponto de falar em criar uma "universidade livre" baseada em vídeos, aqui vai minha maior inquietação/decepção:
ResponderExcluirSeja no espeço físico presencial, seja no ciberespaço, a mediação docente competente é condição sine qua non para garantir o processo de ensino e aprendizagem autêntico. Tenho criticado duramente a tendência do que chamo "educação-sem-docência", que cresce amplamente mundo a fora na modalidade online. Aulas de biologia, matemática disponibilizadas no Youtube para 200 milhões de acessos são mais um típico exemplo disso.
O Massachusetts Institute of Technology impulsionou fortemente essa tendência quando inaugurou a oferta gratuita dos conteúdos de seus cursos presenciais em repositório online e sem mediação docente. O que antes era curso presencial mediado por professor do MIT, vira REA (Recursos Educacionais Abertos) na internet. Por um lado é bem-vindo conteúdo livre para quem quiser “cursar” ou consultar & saquear. Por outro, é estratégia de marketing travestida de boa ação inclusiva e que, na verdade, não certifica MIT
No artigo que acabo de publicar na Teias há um trecho onde critico a presença da tutoria mais recorrente na educação a distância brasileira. A situação é semelhante. Os conteúdos estão disponíveis para os alunos inscritos, mas a tutoria (salvo raros inquietos) é somente "tira-dúvidas". Veja:
A substituição da docência pela tutoria favorece as iniciativas públicas e privadas que buscam soluções de baixo custo para alimentar o boom da oferta, seja para atender ao discurso de inclusão social das políticas públicas seja para satisfazer o afã mercadológico da iniciativa privada. Mediante alguma desenvoltura operativa com a web, essa mão de obra barata vem naturalizando a educação-sem-docência, uma vez que sua atuação se restringe a tirar dúvidas e a administrar o feedback dos cursistas em centrais de atendimento ao estilo do call center. [p. 98]
Defender a educação online de qualidade tem se tornado cada vez mais difícil. Além de enfrentar a força maior da resistência à modalidade, em sua maioria presente na academia, nos ppgs, ainda temos que encarar a gigantesca precarização geral da modalidade promovida amplamente pelo afã mercadológico da iniciativa privada e pelo discurso fácil das políticas públicas (Exs. UAB, CEDERJ, UNIVESP...) de inclusão social massiva ao ensino superior. Para engrossar ainda mais a dificuldade de percepção das potencialidades da web e da cibercultura para a oferta da educação autêntica baseada em interatividade e redes online, temos os mega poderosos MIT nos EUA e OPEN na Inglaterra desafiando nossa luta por qualidade em educação online garantida essencialmente pela mediação docente qualificada.
Marco Silva
Prof da Faculdade de Educação da UERJ
mparangole@gmail.com
Artigo citado da Revista Teias: http://www.periodicos.proped.pro.br/index.php?journal=revistateias&page=article&op=view&path%5B%5D=1362