O que se temia não aconteceu. O mundo da criança não foi dominado por jogos eletrônicos e os tablets não substituíram os livros de papel. Sim, os pequenos continuam a admirar histórias e desenhos impressos em páginas coloridas e o mercado editorial de literatura infantil nunca esteve tão em alta como na última década. Uma pesquisa da Associação Nacional de Livrarias (ANL), feita entre julho e outubro de 2012, mostra isso. Nas 716 livrarias consultadas, a literatura infantil está presente em 74% dos estabelecimentos, perdendo apenas para o setor de religiosos (76%). “Os jogos eletrônicos e o computador têm de ser encarados como novos suportes, novas possibilidades para a vida do livro infantil. Não podem ser tratados como inimigos. Aí, tem de prevalecer a criatividade, a inventividade do autor”, diz o escritor e repórter especial do O POVO, Demitri Túlio, autor de livros infantis como Detestinha - o Bicho Que Detesta Ler e O Ovo Mudo.
Para além das livrarias, a boa fase do mercado editorial do livro infantil fica ainda mais claro quando se avalia o investimento do Governo Federal no setor. Escritores apontam os projetos de incentivo à leitura e o aporte financeiro para a aquisição e distribuição de títulos infantis através de editais como responsáveis pela grande movimentação do mercado de literatura infantil. “A olhos vistos a gente percebe que os projetos de incentivo à leitura têm feito efeito. Hoje, os adultos têm tido muito mais acesso aos livros através das crianças”, analisa o escritor e ilustrador Roger Mello, vencedor do Prêmio Jabuti nas categorias literatura infanto-juvenil e ilustração com Meninos do mangue, em 2010.
Dados da Câmara Brasileira de Livros (CBL) evidenciam o papel do governo nesse boom mercadológico. Segundo estudo de 2011 – o do ano passado ainda não está consolidado -, naquele ano, o mercado teve um faturamento total de quase 4,9 bilhões de reais. Destes, quase 1,4 bilhão foi oriundo de vendas feitas ao governo, o que aponta um aumento de 21,20% na comparação com 2010. Já o número de exemplares vendidos para o governo no mesmo período cresceu 13,70%, enquanto o crescimento global do mercado ficou em 9,77%.
Para a escritora cearense Socorro Acioli, autora de títulos distribuídos nacionalmente, ao mesmo tempo em que faz crescer o setor, os incentivos governamentais trazem consigo questões preocupantes. “Em termos de quantidade, o mercado está bem, mas em qualidade... Claro que surgiram autores bons, mas também começou a surgir muita gente oportunista, como tem em outras linguagens. Tem um grupo fazendo um trabalho novo e um grupão fazendo porque está na moda, dá dinheiro”, destaca. “O Brasil, por ter um volume imenso de produção, lança autores e ilustradores de trabalho experimental que busca a criança, mas também se faz muita coisa descartável em nome de um público consumidor e se cria uma coisa pra ninguém”, reforça Roger Mello.
A ilustradora e escritora carioca Mariana Massarani destaca também a necessidade que as editoras criaram em lançar livros infantis que ganhem editais públicos. “Todo mundo quer fazer livro pra vender pro Governo. Muita gente faz por prazer, mas muitas editoras ficam engessadas”, assinala. Segundo ela, o vislumbre desse mercado criou outra questão delicada que é a necessidade das editoras de adequarem o conteúdo às expectativas do poder público, o que acaba criando uma literatura infantil pautada no didatismo, restrita ao texto educativo e moralizante.
Regina Ribeiro, editora das Edições Demócrito Rocha, concorda e aponta esse como um problema nacional. “É a parte mais complexa hoje pra todo mundo, tanto para as grandes quanto pequenas editoras”, sublinha. “Um livro de literatura infantil precisa ter uma linguagem literária. É aquela linguagem que permite ao leitor criar, imaginar e não aquela linguagem didática que o aluno tem que aprender alguma coisa. O menino tem que aprender a imaginar, distrair, e não a ficar num mundo limitado, circunscrito. O que eu tento fazer aqui é isso”, completa.
Fonte: Jornal O POVO 18/04/2013
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