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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Entrevista com o educador português António Nóvoa


Para o reitor da Universidade de Lisboa, as instituições de hoje carregam a carga de caminhões sobre rodas de bicicleta. Ele destaca a necessidade de criar um tempo probatório para os professores após a graduação

Beatriz Vichessi - Revista Nova Escola

António Nóvoa. Foto: Marina Piedade
António Nóvoa
Ele questiona os modelos que temos hoje no mundo escolar e julga boa parte deles ultrapassada. Propõe repensar os cursos de formação inicial e continuada dizendo que, realizados fora da escola e abordando conteúdos distantes da prática, eles não têm muita utilidade. Chama a atenção para um esquema que proporcione aos docentes uma experiência semelhante à residência médica a fim de que eles tenham um tempo supervisionado para aprender a ensinar.

Dono de um pensamento crítico apurado e atento aos problemas contemporâneos que incomodam o mundo da Educação – e resvalam na sociedade como um todo –, António Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa e doutor em Educação pela Universidade de Genebra, reconhece que, atualmente, a escola é uma instituição frágil e sobrecarregada.

Ainda assim, ele pede fôlego, comprometimento e empenho de todos os educadores para elaborar uma nova revolução na área, já que as últimas grandes mudanças ocorreram há 100 anos e estão desatualizadas. Dentre muitas fontes para a tarefa, indica as novidades apresentadas pela Neurociência.

Em visita ao Brasil, Nóvoa palestrou para a equipe de NOVA ESCOLA e respondeu a várias questões. As principais delas, você confere na entrevista a seguir.

Há algum tempo, diz-se que a Educação tem a missão de salvar o mundo. Os educadores reclamam dessa responsabilidade. Eles têm razão?
ANTÓNIO NÓVOA 
Sim. Há uma espécie de valorização retórica dos professores. Pede-se de tudo a eles. Quem vai salvar o mundo? Quem vai assegurar o desenvolvimento de todos? Quem vai garantir o progresso? Para todas essas questões, a resposta é sempre a mesma, a Educação. Algumas instituições parecem caminhões enormes carregando toneladas, mas eles têm rodinhas de bicicleta no lugar de pneus grandes. A Educação assumiu muitas tarefas. É o fenômeno da escola transbordante. Alguém necessita fazer essas tarefas enquanto ninguém as quer e a escola tem de dar conta delas. Mas uma coisa é dizer que todas são missão da escola e outra é compreender que a instituição precisa cumpri-las enquanto outras esferas da sociedade não estiverem fortes. Quando isso ocorrer, teremos um compartilhamento que chamo de espaço público da Educação.

Como construir esse lugar?
NÓVOA 
No espaço público da Educação, a escola não está sozinha. Há outras instituições. Elas também têm responsabilidades educativas, culturais e científicas, entre outras. Temos de traçar um caminho de responsabilização visando essas esferas. Para isso, a sociedade precisa se arrumar de outra maneira, sem fazer de conta que crianças e adolescentes não são um problema, já que entre 8 da manhã e 6 da tarde estão quietos em um lugar, sob a supervisão de adultos.

No Brasil, o estágio docente é obrigatório, mas o modelo é falho, não contribui com a melhora da prática. Como resolver esse problema?
NÓVOA 
Jovens professores são deixados sem acompanhamento, sem apoio e sem controle. O adequado seria que ganhassem autonomia profissional aos poucos. Os mais experientes, desde que capazes, competentes e inovadores, deveriam ter um papel maior na formação dos novatos. Conheço um modelo que gostaria de ver replicado: o Centro Acadêmico de Medicina, da Universidade de Lisboa. Ele é formado por três instituições que estavam articuladas: a faculdade de Medicina, o centro de pesquisa e o hospital. As tarefas que competem a ele são ligadas à formação médica, à pesquisa e aos cuidados de saúde. Lá existem perfis variados de profissionais, uma maneira de assegurar que a ligação entre pesquisa, formação e profissão seja coerente. Vejo alguns problemas para isso se tornar realidade entre os professores. Um deles é o desprestígio da carreira e o outro o distanciamento salarial entre o educador que lida com crianças e jovens e o que leciona na universidade.

Para tentar resolver falhas da formação inicial, projetos de formação continuada têm crescido muito nos últimos tempos. Esse tipo de investimento vale a pena?
NÓVOA 
Cursos, seminários e outras coisas do gênero nem sempre melhoram o desenvolvimento profissional no que diz respeito à prática nas escolas. Não estou dizendo que eles sejam inúteis, mas é como fazer um mestrado: é positivo, dá prestígio, mas não faz um professor ser melhor. Nada indica, por si só, que o mestre em Educação seja melhor que o colega que não tem o título. O lugar da formação continuada é a escola. É um momento reflexivo, centrado em casos reais, para a construção de práticas pedagógicas.


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